FHC fala em crise e pede a Bush maior presença no continente

Afirmando que interesses norte-americanos e latino-americanos estariam em perigo, ex-presidente brasileiro e ex-representante comercial dos EUA lideram grupo que pede mais atenção do governo Bush na América Latina para “proteger e reforçar os direitos democráticos”. Por Marco Aurélio Weissheimer, da Agência Carta Maior, fevereiro de 2005
 

MONTEVIDÉU. Um grupo liderado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recomendou ao governo dos Estados Unidos uma imediata reaproximação com a América Latina para evitar que a região tome rumos perigosos, segundo matéria publicada no jornal Financial Times (25.02.2005). O perigo, no caso, seria representado pelo crescimento de governos de esquerda no continente e, muito particularmente, pelo governo de Hugo Chávez, na Venezuela. Encabeçado por FHC e pela ex-representante comercial dos EUA, Carla Hills, o grupo sediado em Washington quer que o governo Bush volte a dar atenção para a América Latina, região que perdeu muita importância na política externa norte-americana após os atentados de 11 de setembro. Além disso, quer que os EUA pressionem o governo Chávez a “respeitar a democracia”. A receita do grupo para fazer isso: “um investimento relativamente modesto adicional dos EUA na América Latina poderia dar uma grande retribuição”.
 
Segundo o Financial Times, o grupo foi criado “em resposta às crescentes preocupações de que a política não estaria servindo adequadamente aos interesses americanos ou latino-americanos”. Sem mencionar quais seriam exatamente esses interesses, o artigo relata do seguinte modo uma das preocupações do grupo liderado por FHC e Carla Hills: “Embora as economistas estejam se recuperando das dificuldades de 2001 e 2002, a região foi atingida por diversas crises políticas, e o relatório (do grupo) afirma que a polarização da Venezuela e o ‘pequeno respeito’ de Chávez pelos processos democráticos faz do país uma ‘grave preocupação’ para aqueles que se preocupam com a democracia na América Latina”. O relatório mencionado diz ainda que a política de Chávez pode produzir instabilidade para toda a região andina, defendendo uma forte parceria entre EUA e América Latina “para proteger e reforçar os direitos democráticos”.
 
Ao invés de golpe, dinheiro
 
Desaconselhando um novo envolvimento norte-americano em tentativas golpistas na Venezuela, o grupo defende um maior apoio por parte dos EUA para os principais países da região, em especial Brasil e México. Além disso, propõe que a Casa Branca comece a diminuir o bloqueio a Cuba, lembrando a “clara lição da Europa Oriental”: “quanto mais contato uma sociedade fechada tem com as sociedades abertas mais rápida e menos dolorosa é a sua transição”. A iniciativa desse grupo anda na contra-mão da tendência da maioria da diplomacia sul-americana, que vem apostando no fortalecimento de uma integração regional em moldes distintos daqueles previstos na proposta de criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). O crescente surgimento de governos de esquerda e de centro-esquerda na América Latina vem resultando em um deslocamento na política externa da região, com uma maior autonomia em relação aos projetos da Casa Branca.
 
O mais recente destes governos, o de Tabaré Vázquez, no Uruguai, não foge a esta regra. O novo ministro de Relações Exteriores, Reinaldo Gargano, fala do surgimento de um “arco virtuoso” no continente. Ao defender o fortalecimento do Mercosul, o reatamento das relações diplomáticas com Cuba e a criação da Comunidade Sul-Americana das Nações, Gargano declarou a jornalistas uruguaios: “Ainda não é um fato concreto, não temos organicidade, mas é uma conjuntura nova na América Latina, que ceio que não se dá desde os tempos da independência”. E acrescentou: “há um arco virtuoso com Lagos no Chile, que passa por Kirchner na Argentina, por Lula no Brasil, por Vázquez no Uruguai, e pela Venezuela com a política social de Chávez”. E duas das primeiras medidas do novo governo caminham nesta direção: o reatamento das relações diplomáticas com Cuba e a assinatura de acordos com a Venezuela, especialmente no setor energético.

Um plano de olho em 2006
 
Fernando Henrique Cardoso atira em Chávez, mas parece querer mesmo acertar na política externa do governo Lula. Ironicamente, um dia após a matéria do Financial Times, essa política é apontada pelo jornal espanhol El País como “uma revolução” (26.02.2005). A matéria assinada pelo jornalista Jorge Marirrodriga define do seguinte modo o desempenho diplomático de Lula: “Ele está à frente da integração da América do Sul, mas reduz o nível de confronto com os países do norte rico. Elogia repetidamente em público o presidente argentino, Néstor Kirchner, e suas políticas, enquanto as empresas argentinas se queixam de uma concorrência feroz por parte do Brasil. Pede a democratização do Conselho de Segurança da ONU e, ao mesmo tempo, exige um cargo permanente nesse conselho. Aparece como mediador em conflitos latino-americanos e assina uma aliança estratégica – incluindo a venda de armas – com a Venezuela de Hugo Chávez”. Deste modo, acrescenta, “colocou a diplomacia brasileira em uma posição de preponderância, longe da incerteza e do possível radicalismo que se temiam antes de sua chegada ao poder”.
 
O reconhecimento interno e externo do bom desempenho da política externa brasileira e a campanha eleitoral de 2006 estão levando o ex-presidente a tentar uma articulação internacional baseada em uma maior aproximação com os Estados Unidos e na crítica à “esquerdização” da América Latina, particularmente em relação ao governo Chávez, apontado como um fator de instabilidade política para a região. A parceria com a ex-representante comercial dos EUA, Carla Hills, é um claro indício da direção deste movimento, que tem desdobramentos também no cenário brasileiro. No plano interno, após a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara Federal – que teve o seu apoio – FHC passou a dizer que só seria candidato em caso de uma grave crise. Agora, fala também da possibilidade de uma crise política no continente e propõe uma aproximação com o governo Bush. Tudo em nome da democracia. 
 

fonte: Agência Carta Maior

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