Carta aberta ao presidente
do Viva Rio
Por diversas entidades representativas,
fevereiro de 2005
Prezado Senhor Rubem César Fernandes, A propósito da parceria estabelecida entre o Viva Rio e a TV Globo, para levar o áudio de programas da emissora para as rádios comunitárias, apresentamos as seguintes considerações: 1. Permita-nos lhe informar que as rádios comunitárias têm por princípio promover a educação, a cidadania, a cultura. Também promovemos a solidariedade e a integração da comunidade; defendemos e difundimos valores humanos e lutamos por um Brasil justo e soberano, com igual oportunidade para todos. 2. Ao contrário das emissoras comerciais, nosso objetivo não é o lucro, mas a promoção da educação e da cultura na nossa comunidade. 3. Infelizmente a legislação que regulamenta as rádios comunitárias (lei 9.612/98, Dec. 2.615/98) não contempla os interesses populares. Na prática inviabiliza a operação das rádios comunitárias. Ela é assim porque assim quis o poder estabelecido na época, sob interferência direta das emissoras comerciais. 4. Então, hoje, fazer rádio comunitária é difícil por três motivos: i) a legislação inviabiliza; ii) para obter autorização de funcionamento é preciso se enquadrar nessa legislação (o que já é paradoxal) e se submeter a um rito burocrático cansativo e sujeito a injunções políticas (o processo não garante, ao final, que a rádio autorizada seja de fato comunitária); ii) quem não obtém a autorização está sujeito a uma repressão violenta, que inclui ação de agentes da Polícia Federal armados de fuzis e metralhadoras; iv) regra geral, as comunitárias são criadas e mantidas por comunidades pobres que querem (precisam) fazer rádios comunitárias na falta de um outro veículo de comunicação. 5. Nossa pobreza, porém, não está à venda, nem é motivo de barganha. E muito menos com emissoras como a TV Globo. 6. A TV Globo, como outras emissoras comerciais, têm feito campanha ostensiva contra as rádios comunitárias. Elas são insistentemente satanizadas, atribuindo a nós o papel de agentes do narcotráfico, piratas, terroristas capazes de derrubar aviões, atrapalhar a comunicação entre os serviços de segurança e de saúde. Tudo isso é mentira. Mas continua sendo propagado nas emissoras comerciais. 7. A Globo e outras tratam as rádios comunitárias não autorizadas como piratas, isto é, bandidas, marginais. Como se um papel na parede desse credibilidade a uma emissora. O que faz uma rádio ser comunitária não é esta autorização concedida pelo Ministério das Comunicações, mas sua relação com a comunidade, quando a rádio é construída, gerida e colocada no ar pela comunidade. 8. Por que as emissoras comerciais temem as comunitárias? Não é por motivos comerciais – não nos interessa fazer caixa e sustentar o luxo de uns poucos. Elas nos temem porque propagamos os direitos da coletividade, discutimos todas as questões políticas, colocamos o povo para falar e pensar. Nosso objetivo é fazer com que o povo pense e aja conforme seus interesses e não conforme os interesses dessas sete famílias que dominam a comunicação no Brasil. Por isso elas nos temem. 9. As rádios comunitárias surgiram exatamente como contraponto ao poder instalado nos meios de comunicação. Este poder dita as regras da comunicação e cultura para a população brasileira. Ele faz a censura ao cidadão comum; à qualidade cultural (o jabá sustenta a indústria cultural); um Brasil real é substituído por um Brasil criado pelos meios; o jornalismo é falsamente apresentado como imparcial, e continua relevando o que é de interesse dos empresários da comunicação e dos seus parceiros; censura a sociedade organizada – com a satanização, ou boicote, aos atos de todos os movimentos organizados. 10. A TV Globo é o principal agente desse espetáculo da desinformação e da desculturação do povo brasileiro. Não é por acaso que dos 10 programas denunciados na “Campanha contra baixaria na TV” da Câmara dos Deputados, 7 são da TV Globo. Como seu objetivo é o lucro a qualquer preço, a emissora não se constrange em difundir uma programação alienante, discriminadora, preconceituosa, eivada de baixarias. Mas é exatamente assim que a emissora consegue sobreviver e estabelecer para todo país seus padrões de valores, como se fossem valores nacionais. 11. Para nós, que insistimos na promoção da educação e da cultura, seria um contra-senso retransmitir programas como “Casseta & planeta – urgente”, por seu caráter vulgar, discriminador, com seu humor institucional e nada inteligente. Ou uma Xuxa, por servir somente à formação de jovens consumidores. Temos responsabilidades com as comunidades. 12. Para nós que fazemos rádios comunitárias nada disso nos serve. Os valores difundidos nos programas da Globo forma consumidores, alienados, gente ambiciosa, e preconceituosa. Insistimos: temos objetivos completamente distintos. Nós queremos, junto com a comunidade, formar cidadãos e cidadãs mais inteligentes, cultas, preocupadas com a sociedade, com o bem estar coletivo, solidárias, humanas, felizes ao saberem que pensam e refletem sobre os seus destinos. 13. A TV Globo sabe disso. Sabe que temos interesses distintos. Por isso tenta nos cooptar, nos seduzir, oferecendo seus programas de mau gosto e deseducativos para nossas rádios comunitárias, ou levando companheiros para conhecer e se encantar com a hollywood global, o Projac. Somos sem recursos, e, por isso mesmo, temos carência de conteúdo para nossa programação, mas tentar nos seduzir com programas globais, com o glamour da emissora, é uma covardia contra nossa gente pobre. Essa esmola tem um preço muito caro para nós. 14. Renegamos esta “parceria” com a TV Globo. Na verdade, não se trata aqui de parceria, mas uma ampliação da hegemonia global, usando as rádios comunitárias como repetidoras da Globo. Inteligente, a TV Globo tenta ocupar um espaço que estaria imune ao seu poder, fazendo das comunitárias reprodutoras do seu conteúdo. Então, aumenta o número de rádios comunitárias e aumenta o poder da TV Globo. 15. Um dos aspectos da nossa luta é a democratização dos meios de comunicação. Queremos que toda população tenha acesso aos meios, tenha os seus meios. A Globo defende ponto de vista completamente contrário ao nosso: ela é uma das latifundiárias da comunicação no Brasil; ela quer se apoderar de todos os meios possíveis. 16. Se nos permite a ironia, se a Globo quer fazer uma parceria com as rádios comunitárias, então propomos igualdade nas relações: reproduzimos programas globais e a Globo reproduz nossos programas comunitários. Nossos programas podem não ter a qualidade técnica estabelecida por um padrão dominante, mas, com certeza, tem muito mais conteúdo, e são muito mais inteligentes que estes que a emissora bota no ar todos os dias. 17. Por conta desses argumentos, solicitamos a V.Sa. que suspenda imediatamente tal parceria, impedindo que a TV Globo use o Viva Rio para distribuir seus programas com as rádios comunitárias. Nós, que fazemos rádios comunitárias, não merecemos tais programas, merecemos muito mais – algo que a TV Globo não pode nos dar. Ela faria muito mais por nós e pelo povo brasileiro se fizesse uma programação inteligente, com qualidade, respeitando os valores do brasileiro, incentivando a solidariedade, promovendo a educação e a cultura. Tudo isso, aliás, já é previsto na Constituição Brasileira, basta seguir a lei. Sugerimos que a TV Globo aprenda com os que fazem rádio comunitária como viabilizar uma programação decente. Temos muito a lhe ensinar. Atenciosamente, Associação
Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) /
Fed. das Ass. das Rádios Comunitárias do Rio de Janeiro (Farc)
/ Conselho Regional de Radiodifusão Comunitária – Conrad
/ TV Comunitária do DF / Sindicato dos Jornalistas Profissionais
do DF / Associação Brasileira de Canais Comunitários
– ABCCOM / Fórum Nacional ela Democratização da comunicação
– FNDC / Cemina / Associação Americana de Juristas
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