I Fórum Mundial de Informação e Comunicação
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Foto: I Fórum Social de Comunicação e
Informação, dia 25, em Porto Alegre.
Foi realizada nesta terça (25/1), um dia antes do início oficial do Fórum Social Mundial, o I Fórum Mundial de Informação e Comunicação. A iniciativa vem por conta do reconhecimento de diversos setores da sociedade - e posteriormente da coordenação do Fórum - de que a Comunicação ocupa um lugar estratégico na luta por um mundo mais humano. Confira alguns dos temas debatidos e propostas feitas pelos palestrantes, comunicadores e participantes. Por Gustavo Barreto, 25 de janeiro, 2005.
 

A Comunicação como bem público

A Comunicação surge como uma poderosa arma de transformação social: trata-se de um poder simbólico com conseqüências reais no cotidiano das pessoas. Faz-se fundamental repudiar a idéia de que a informação é uma mercadoria, resgatando sua verdadeira função de bem público.

A Comunicação hegemônica é um espaço estratégico de criação de agenda. Ou seja, o que as pessoas vão discutir na mesa do bar, bebendo um chopp. Vão falar sobre o quê? A guerra do Iraque ou os nossos fatos? Nesse sentido, o próprio Fórum Social Mundial foi eficiente ao criar um fato político, mas ainda não conseguiu contá-lo da sua maneira.

O poder da Internet

A Internet foi vista como uma importante ferramenta para expor fatos que poucos saibam e que precisam ser popularizados. Mesmo que ainda seja pequeno o acesso direito, as informações acabam circulando em meios impressos e até mesmo no boca-a-boca. “Sem a Internet seria impossível realizar o Fórum Social Mundial”, disse Cândido Grzybowski, um dos coordenadores do evento que reúne milhares de vozes dissidentes todos os anos, desde 2001.

Outros exemplos contudentes dessa nova realidade são o Acordo Multilateral da OMC, extremamente danoso aos povos de todo o mundo, e os acontecimentos de Seattle em 1999. A divulgação mais ampla de denúcias relacionadas não seria possível sem a rede mundial de computadores. Observa-se em diversos casos pelo mundo, no entanto – e talvez por causa desses avanços -, o aumento da vigilância na internet, muitas vezes com o pretexto de se “combater o terrorismo”.

Apesar disso, Cândido diz que o Fórum acabou ficando marcado pelo seu nascimento “virtual”. Ao mesmo tempo que une, a Internet exclui milhões de pessoas que não possuem acesso ou habilidade para entrar na rede mundial de computadores. Nos primeiros Fóruns – e ainda hoje, apesar de uma pequena melhora – foram compostos pela “elite das organizações”, assim como por muitas “organizações de elite”.

Tecnologia da informação

Os avanços decorrentes da rápida evolução da tecnologia da informação não foram acompanhados pelos cidadãos comuns, que muitas vezes esbarram no fator educacional ao experimentar invenções como a Internet. No entanto, é necessário lutar para que a população tenha acesso a esses novos recursos, como forma de se educarem cada vez mais e criarem, a partir disso, interesse pelo tema.

A Comunicação e as mulheres

Desde a escola, disse uma oradora das Filipinas, as mulheres são desencorajadas, direta ou indiretamente, a fazer matérias ligadas à Ciência e à Tecnologia. Por conta disso, a exclusão social é ainda maior entre esse segmento. Outro fator de exclusão é o auto custo da Internet em diversos países pobres. Por vezes, um mês de Internet chega a custar mais do que o próprio salário. O analfabetismo, por sua vez, também se demonstra um importante problema.

Na Internet, além disso, é fácil achar páginas que apresentam a mulher como um objeto sexual. A relação entre esse aspecto e o fato de que, em todo o mundo, as mulheres ocupam cargos com salários mais baixos é evidente. Foi defendido, no entanto, o uso do “e-governo”, sistema que usa o computador para aumentar a participação política da população.

A questão da tradução

Não é problema menor. Cândido afirma que é de difícil resolução a escolha de tradutores que compartilhem da visão política dos povos presentes no Fórum Social Mundial. “É uma questão central e política”, diz. Como conseqüência, os tradutores são voluntários, forma encontrada para enfrentar a questão momentaneamente.

A Comunicação e o Fórum Social Mundial

Até agora, o Fórum tem sido mais segmentação e confusão do que propriamente diversidade. Esta é a opinião de Cândido Grzybowski. “Nem mesmo eu entendo a programação”, admite. Com base nisso faz questionamentos: “Será que não há programas que se repetem porque os propositores não conseguiram se comunicar?”

Aponta outros dois problemas: o déficit na diversidade social e na diversidade cultural – agravada pela utilização do inglês como língua mundial, inclusive por meio da rede, suprimindo línguas minoritárias - e o déficit geográfico. “A China, com seus um bilhão de pessoas, é uma espécie de futuro que não queremos. Quando chegaremos lá?”, afirmou, apontando também a África como um novo rumo prioritário. Para Cândido, é necessário plantar sementes, com o objetivo de que as novas gerações olhem para essa experiência com bons olhos e continuem as lutas ali iniciadas.

“Feira ideológica”

Ao se referir à frase do presidente Lula, ano passado, de que o Fórum Social Mundial tinha virado uma “feira ideológica”, Cândido afirmou que não entende o comentário como uma crítica, e sim como um elogio. “É importante lembrar que a democracia se inventou numa feira. É um lugar bastante democrático”, diz.

Mídia alternativa x grande mídia

Se é verdade que a mídia alternativa possui muita energia para passar sua mensagem política, é igualmente verdade que a grande mídia atinge o público de forma mais intensa, passando mensagens políticas de forma subliminar. É preciso um esforço crescente da mídia alternativa para aprender as técnicas de comunicação mais apuradas, de forma que consiga chegar não apenas às pessoas que já estão convecidas da tese em questão, mas a toda a sociedade.

Com o objetivo de atingir a vida real das pessoas, uma das sugestões foi unir a técnica dos jornalistas profissionais com a energia da mídia alternativa. Este é um dos grandes desafios apontados durante o Fórum de Comunicação, mas que só será alcançado se as entidades acabarem com seu olhar discriminatório em relação à Comunicação – a primeira a passar pela tesoura em uma crise financeira – e entenderem a importância do poder simbólico na sociedade contemporânea.

Donos da mídia

Há algumas provas, principalmente na mídia norte-americana, de que a audiência não se sobrepõe à contestação. Nos Estados Unidos, a perseguição a músicos, artistas e jornalistas que ousaram contestar a política de Bush de forma veemente foram despedidos ou boicotados. Serviu, em parte, para botar medo em quem continuou com seu emprego.

Um dos participantes lamentou o fato de que muitos editores não trabalham mais por prazer. Em substituição, aparecem cada vez mais empresários de diversos setores, que utilizam os meios para alavancar os próprios negócios e conseguir dividendos políticos.

O caso mais contundente aconteceu na Itália, onde o atual primeiro-ministro Silvio Berlusconi, já detentor dos poderes econômicos e midiáticos, usou-os para chegar ao cargo mais elevado do poder executivo. Hoje possui seis canais de televisão – três públicos e três privados. Situações similares podem ser encontradas na Guatemala, na Inglaterra, no Brasil e em muitos outros países.

A concepção de que a mídia possui donos está baseada nos direitos autorais das grandes empresas, denominado “copyright”. Nesse sentido, é preciso haver um maior equilíbrio entre recompensa e difusão, hoje claramente tendendo à mercantilização da informação.

Mídia bélica

Além dos freqüentes boicotes às agências da ONU – morais e, principalmente, financeiros – alguns países desenvolvidos, sob a liderança dos Estados Unidos, tentarão aprovar este ano reformas nas Nações Unidas para oficializar a doutrina da “guerra preventiva”. Estes ataques contarão com o apoio fundamental da mídia, que está constantemente preparando o público para a próxima guerra. Não só nos telejornais, mas também nos desenhos, no cinema, nos video-games e em todas as mídias disponíveis.

África e a falta de pluralidade

Em boa parte, os cidadãos africanas não são afetados em grande escala pela globalização, pelo menos não diretamente. Isto porque é grande a escassez da mídia nos países deste continente. Em Mali, por exemplo, menos de 20% das pessoas não sabem falar a língua oficial do país – o francês -, que no entanto é a língua utilizada pelos jornais locais. Mesmo que falassem, sofrem com a barreira do analfabetismo e da pobreza. Muitas vezes falta dinheiro para comprar um rádio ou até mesmo batérias que façam os equipamentos funcionarem.

Apesar disso, os cidadãos africanos foram fortemente afetados pela mercantilização do processo de comunicação. Durante os anos 90, houve uma forte privatização dos meios locais, enfraquecendo e fazendo desparecerem por completo os serviços públicos no setor.

No Senegal, só há três formas possíveis de se informar sobre o que acontece no próprio país: pela CNN (norte-americana), pela BBC (inglesa) e pela Rádio França. Por conta disso, ocorreu uma forte diminuição da diversidade informativa. Um dos poucos benefícios deste processo foi o surgimento e fortalecimento de rádios comunitárias, que serviram de contraposição aos meios de comunicação de massa.

Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação

Outro assunto abordado por diversos palestrantes foi a Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação, reunião promovida pela ONU que ocorreu em Genebra, em 2003, e que terá sua segunda edição em novembro de 2005, na Tunísia. Foi colocada certa preocupação em relação ao local do evento este ano, pois o governo tem se mostrado muito conservador, ao contrário do governo suíço, que foi muito prestativo no primeiro encontro.

O governo da Tunísia mantém muitas pessoas sob vigilância, diz um dos palestrantes, e recebeu como resposta a visita de entidades ligadas à Cúpula, para observarem as atividades no país. Bloqueio de páginas na Internet, censura de livros, pouco pluralismo na mídia e a presença do presidente nas tevês e nos rádios todos os dias foram alguns indícios negativos avaliados pelas referidas organizações.

A primeira Cúpula não esperava que as organizações fossem questionar de forma tão provocativa os problemas estruturais da comunicação como, por exemplo, o problema da concentração de propriedade. Um representente presente em Genebra na ocasião afirmou que houve uma tentativa de censura por parte dos organizadores, mas a atuação de alguns governos e entidades globais os questionamentos foram feitos.

A contra-hegemonia

União. Foi este um dos sentimentos mais ressaltados pelos participantes do I Fórum Mundial de Informação e Comunicação. Não se trata apenas de uma luta corporativa. Deve ter, inclusive, o apoio da sociedade civil globalizada. As saídas individuais já se mostraram ineficientes, pois o poder econômico acaba falando mais alto.

O jornalista que se propõe a trabalhar para uma grande empresa terá de mentir. “Se não quiserem, vão ser expulso”, argumentou um dos participantes do Fórum. Essa briga é, portanto, de toda a sociedade, e deve ser puxada pelas associações de comunicadores de forma coletiva.

Exemplos de movimentos sociais de outras áreas foram lembrados, como os ambientalistas e as mulheres, que procuram manter pontos básicos em comum para fortalecer a unidade dos grupos. O Greenpeace serviu de exemplo de organização que consegue passar sua mensagem de forma eficiente e em escala global, disponibilizando materiais para a imprensa de forma profissional e com estratégias bem definidas.

Faz-se necessário, na visão de um dos participantes, recriar os meios e as formas de comunicação, rumo ao verdadeiro diálogo. Se amanhã os meios mudarem de donos e agregarem alguns dos meios alterantivos, precisaremos de uma restruturação para que a mesma publicidade em massa nas mentes das pessoas não seja retomada.

Perguntas no ar

Onde, de que forma e quais mudanças buscamos? O que vamos fazer juntos? É eficiente seguimentar o movimento? Como socializar uma plataforma para a construção de alternativas em Comunicação? Quem é dono da informação? Quem controla sua produção? Quem controla seu fluxo? Quem pode usá-la? Estaremos pensando suficientemente sobre assuntos estratégicos da mídia e da comunicação? que tipo de objetivos realistas podemos estabelecer para nós mesmos? Em quais esferas podemos nos mobilizar?

Foco de ação

Foi discutido por diversos participantes a urgência de se refletir sobre o foco das ações no campo da comunicação, com objetivos não só políticos, mas também organizacionais. Movimentos sociais poderiam estar desperdiçando muita energia com questões secundárias. É preciso, muitos concluíram, apontar para o poder estabelecido – empresas e instituições financeiras globais, agentes do mercado financeiro e governos –, e não para uma minoria. “A mobilização deve ser contra a grande mídia, antes mesmo que contra exércitos”, argumentou um presente.

Não será eficiente a luta se os comunicadores estiverem atingindo apenas uns aos outros e às pessoas que já pensam como eles. Qual a nossa presença na TV, por exemplo? De qualquer forma, as pessoas assistirão TV todos os dias, por pelo menos quatro horas por dia em média.

Outra luta que se faz necessária é contra a privatização dos meios de comunicação. O resgate dos sistemas de rádio e televisão públicos é uma batalha importante. Na privatização, analisam alguns palestrantes, se dará o início da concetração dos meios nas mãos de megacorporações e o fim da liberdade de expressão.

Objetivos claros

O presidente da AMARC (Associação Mundial de Rádios Comunitárias), Steve Buckley, falou da necessidade de objetivos claros para as ações na área da comunicação. Destacou, entre outros temas, a defesa da liberdade de expressão, a defesa do acesso à informação pública, a garantia aos comunicadores de trabalharem sem censura ou ameaças, a luta pelo aumento do acesso à Internet e a maior utilização do software livre.

De qualquer maneira, foi consenso durante o I Fórum Mundial de Informação e Comunicação que é preciso agir – e não apenas compartilhar as ações, como muitas vezes aconteceu durante as outras edições do Fórum Social Mundial. Outra comunicação é possível, se: Um – as ações tiverem foco; Dois – O trabalho for em conjunto.

A criação de uma espécie de aliança de profissionais e organizações de mídia foi uma constante. Muitas experiências, algumas delas presentes no Fórum, já existem e mostraram ações que têm dado certo. “Muitas vezes basta fortelecer essas ações”, argumenta um participante. “Não precisamos reiventar a roda. Muito já foi discutido”, disse outro.

E depois do Fórum? Com a palavra Salete Valesan, do Instituto Paulo Freire e da coordenação de Comunicação do FSM: “Nossa luta é cotidiana, diária, local e mundial”.
 
 
 

A comunicação como direito humano

Uma das boas novidades deste edição do Fórum Social Mundial é a força que ganha a idéia da comunicação como um direito fundamental de todos os cidadãos, inscrito no âmbito dos Direitos Humanos. Antonio Martins falou durante o I Fórum Mundial de Informação e Comunicação, dia 25, sobre a Ciranda Internacional de Informação Independente (www.ciranda.net). “A solução surgiu da necessidade”.

“Éramos apenas dois no começo, para dar conta de muitas atividades simultâneas. Por outro lado, a imprensa alternativa era formada por diversos meios que tinha uma estrutura precária, e igualmente com poucas pessoas à disposição. Daí surgiu o Ciranda, que é um compartilhamento de informações ao estilo copyleft”, diz, se referindo ao código aberto de informação que se opõe ao copyright.

Em 2001, havia cerca de 1.000 jornalistas para a cobertura do primeiro Fórum Social Mundial – em grande parte da mídia independente. “O que aconteceu é que eles estavam pulverizados, separados”, disse Martins. O www.ciranda.net, além de aberto a todos os jornalistas, possui um sistema de software livre que o permite ser alimentado de notícias de maneira instantânea.

Ele explicou que, com esse método, o Ciranda acabou fazendo, ano após ano, a maior cobertura entre todos os meios presentes – inclusive os da grande mídia – exatamente porque contava com um número muito grande de jornalistas e comunicadores populares dos meios alternativos. Uma estrutura maior do que todos os grupos da grande mídia unidos e, principalmente, de qualidade sensivelmente superior.

Desafios

Como fazer dessa iniciativa uma experiência permanente, plural e não-hierarquizada? Martins, ao se “inquietar” com esta questão, também comemora o fato de que o Ciranda fez surgir durante os últimos cinco anos diversos meios de comunicação alternativos, impulsionados pelo trabalho em Porto Alegre e Mumbai, na Índia.

Ele acredita que o sucesso desde empreendimento se dará à medida que o movimento de comunicadores articule um espaço que não reproduza o caos informativo verificado na nossa sociedade. De qualquer forma, já é perceptível o desconforto de diversos setores da sociedade com a imprensa tradicional, criando um novo espaço de luta contra o pensamento único. A Internet, como sempre, é citada como um instrumento dessa luta, sempre refletindo sobre as evidentes limitações desse meio.

Liberdade de imprensa ou de empresa?

Editor do Le Monde fala a juristas em evento paralelo ao Fórum Social Mundial


Na era da globalização, a liberdade de expressão é um problema central, e não apenas periférico. Essa é a opinião de um dos ícones globais da luta pela igualdade de direitos e pela cidadania, Ignácio Ramonet, que esteve presente no IV Fórum Mundial de Juízes, dia 24, em Porto Alegre.

Para o editor do jornal francês Le Monde Diplomatique, os poderes tradicionais dos países democráticos - leis, governo, judiciário, entre outros – podem condenar inocentes e votar leis discriminatórias. “Os meios de comunicação e jornalistas costumavam ter a função de denunciar esses abusos. Era o que se convencionou chamar de quarto poder, na verdade um contra-poder”, afirmou.

À medida em que se acelerou a globalização neoliberal, no entanto, essa realidade foi mudando sensivelmente. “Com o avanço de um tipo de capitalismo que deixou de ser fortemente industrial para se tornar financeiro, surgiram fortes enfrentamentos entre o privado e o público, entre o individual e o coletivo”.

Concentração tende a aumentar

Neste cenário surgiram as empresas globais, novas forças que, por sua natureza mundial, superam inclusive governos. E nisso se insere um dos principais problemas da comunicação atualmente.

“As transformações na comunicação de massa foram baseadas numa forte concentração dos meios que, cada vez mais, pertencem a grandes grupos midiáticos. E trata-se de uma concentração contínua”, alerta, citando o caso da News Corp., do empresário Rupert Murdoch. Ramonet afirmou que diversas corporações também estão preocupadas com a Internet, tratando de ocupar mais este espaço mididático – ou o 'quarto meio', definiu.

O francês acredita que houve uma reformulação da organização da comunicação no momento atual. “Antes tínhamos a cultura de massas, com sua lógica capitalista, a comunicação como publicidade e propaganda, e a informação, representada pelas agências e pelo que os jornalistas escreviam. Hoje tudo isso se insere numa única esfera”, argumentou. “Mas há a quarta esfera: a Internet”.

Ramonet enxerga o surgimento de novas empresas – os “gigantes midiáticos” - que seriam competentes “produtores de símbolos”, promovendo “distrações de todo o tipo”. Neste quadro estão inseridos os desenhos, a indústria fonográfica e até parques como o da Disney. O jornalista avalia que esta influência se equipara ao que Orson Welles chamou de “superpoder”.

Novas prioridades

No cenário atual, os diversos meios de comunicação perderam importantes referências para dar lugar à lógica empresarial. “Não há objetivo cívico nem ético. Não há mais aquele sentimento de corrigir a democracia quando fosse preciso. Não desejam ser o quarto poder, nem o contra-poder. Desejam se somar ao poder estabelecido, para aniquilar com os poderes dos cidadãos”, lamenta.

Para avançar na questão, Ramonet pergunta: como resistir? “Precisamos nos mobilizar, criando uma força cívica cidadã. É o que eu chamo de 'quinto poder'”.

Um dos principais exemplos de meios que fazem uma guerra declarada contra o povo, diz ele, ocorreu na Venezuela recentemente. “Diante de uma série de derrotas democráticas, a oposição abriu uma guerra midiática naquele país. Pode-se pensar o que quiser de Chávez, mas está ocorrendo uma clara intenção de manipular as mentes dos cidadãos, numa disputa aberta com o único propósito de manter interesses privados. Os meios de comunicação são os novos cães de guarda da nova ordem mundial estabelecida.

Outro caso exemplar ocorreu na Itália. “É um bom exemplo de alguém que, por possuir os poderes econômico e mididático, conseguiu obter o poder político”, diz ele, se referindo ao atual primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, que possui seis emissoras de televisão – três públicas e três privadas.

O quadro, de qualquer forma, não é novo. “O jornal 'El Mercúrio' foi decisivo para o golpe de 11 de setembro de 73, que derrubou [Salvador] Allende no Chile. O mesmo ocorreu com os sandinistas nos anos 70 e o jornal 'La Prensa'”. O francês argumenta que a guerra é, na verdade, contra qualquer reforma democrática ou que modifique as estruturas de poder. “Por trás da fachada midiática global se esconde a idelogia mundial neoliberal”, sustenta.

Resistência e coletividade

Outro desafio que preenche as reflexões do editor é a função dos jornalistas neste quadro perverso encontrado nas grandes empresas. “Temos que achar meios para que o jornalista trabalhe em função de sua consciência, e não em função da sua empresa ou de seu grupo”.

“É difícil resistir de forma solitária. Você sempre corre o risco de ser demitido. É importante ir nas organizações da categoria para atuar coletivamente. É importante também esclarecer ao máximo que tipos de distorções são feitos no meio profissional. O ocultamento de informações é uma das formas sutis de fazer isso”.

O excesso de informação também preocupa Ramonet. “Há muita coisa envenenada por todo tipo de mentiras e manipulação. É como a alimentação, que costumava ser escassa em alguns países. Com a Revolução Agrícola, a oferta aumentou, mas muitas vezes trazendo consigo contaminação, câncer, enfermidades e até morte. Antes, morríamos de fome. Agora, é muito por conta desta contaminação”, compara.

Liberdade de imprensa x liberdade da empresa

Ramonet chegou a comparar algumas sociedades “livres” com ditaduras. “Nos governos democráticos, a informação se multiplicou tanto e se tornou tão abundante que já virou o quinto elemento, depois do ar, da água, da terra e do fogo”, diz. “No caso, esta contaminação envenena o espírito e intoxica o cérebreo”. Ele defendeu uma espécie de “ecologia da informação”, cujo objetivo seria “limpar a informação da maré negra da mentira”.

Considerando as regulamentações no setor de comunicações pouco eficazes, Ramonet denfendeu o Media Watch Global, movimento que incentiva o cidadão a fiscalizar a mídia, de forma que as empresas se tornem mais responsáveis. A figura do ombdusman também não agrada ao jornalistas, por considerá-los atualmente muito “institucionalizados”.

“Sou menos favorável às leis, porque se cria essa sensação de que estamos perseguindo a liberdade de expressão. De qualquer forma, diversos países democráticos as possuem”, lembrou. Ele considera a recente lei de responsabilidade social na Venezuela “bastante razoável”. E lembrou sobre a situação na Suécia. “Lá, que é uma das melhores democracias do mundo, criou-se uma lei que proíbe a publicidade dirigida às crianças. Elas estão proibidas inclusive de participar dos comerciais, por lei”. Ramonet acredita que estas leis servem para proteger os grupos indefesos, que estão mais propensos à manipulação.

Responsabilidade e credibilidade

Ele criticou os grandes grupos midiáticos, que de uma maneira geral defendem apenas “interesses particulares”. “A 'liberdade de empresa' não pode prevalecer ao direito do cidadão a uma informação rigorosa. (...) Além disso, a liberdade de imprensa deve respeitar as outras liberdades”, observa. Uma possível saída seria a responsabilidade social destes grupos, com a organização de um “controle responsável da sociedade”.

Até mesmo os meios audiovisuais, que costumam impactar de forma muito mais forte o público, estão perdendo credibilidade diante da população. “Os telejornais nos apresentam as informações numa concepção dramática, sensacional, mas nunca racional. É tudo muito superficial”.

"A imprensa escrita perdeu muito. Jornais tradicionais como The New York Times e Washington Post se prejudicaram muito com a manipulação na guerra do Iraque e com os recentes escândalos de reportagens falsas", disse. Ele usou como exemplo caso do jornalista Jason Blair e a recente descoberta de que matérias eram inventadas e passavam pelo crivo da redação do New York Times sem o devido rigor jornalístico.

"Quando os meios perdem a credibilidade, que é a sua principal arma, perdem a confiança do público". Ramonet acusou ainda a Fox News de "estar a serviço dos interesses bélicos e dos histéricos da Casa Branca".

O caso mais recente de manipulação grosseira da mídia internacional foi, segundo Ramonet, o silêncio ou a falta de ênfase em relação à divulgação de documento oficial da Casa Branca reconhecendo que o Iraque não possuía armas de destruição em massa. "Não era a informação do dia, nem da semana, mas foi uma das únicas justificativas da guerra que vitimou milhões".

Ele também atribuiu em parte à mídia ao que chamou de "invenção" do suposto líder iraquiano, Ahmed Chalabi, que mostrou “provas” da localização das armas de Saddam Hussein e se disse um “desertor” e, portanto, informante privilegiado. “Ele apareceu com essas falsas provas e a imprensa corria para o Pentágono para verificar. Acontece que tinha sido o próprio Pentágono o autor da invenção de Chalabi. Eram duas fontes falsas, uma sustentando a outra”, denunciou.

Ramonet lembra que, em relação às recentes torturas cometidas por soldados norte-americanos com a conivêncio de altos escalões do Exército, foram soldados – e não jornalistas – que denunciaram os abusos. “Vivemos hoje num sistema de insegurança informacional. Não há, depois da campanha de meses sobre as armas de destruição em massa, mais nenhuma garantia para o cidadão”, observa.

Outro caso comentado pelo jornalista foi o recente esforço do governo espanhol em atribuir ao grupo ETA o atentado terrorista de 11 de março de 2004. “[O primeiro-ministro José] Aznar telefonou pessoalmente a todos os diretores de redação à época, que então culparam o ETA. É mais ou menos o que acontece numa ditadura. Só que numa ditadura haveria pessoas que teriam resistido”.

Mecanismos do mercado

Outro alvo das críticas do autor foi a “espetacularização da notícia”, oriunda da concepção mercantilista da informação. “Nesse caso, o que conta é a lei da oferta e demanda, em detrimento da coletividade e da função cívica da comunicação”.

O mecanismo observado por Ramonet funciona da seguinte maneira: Em vez de vender espaço aos anunciantes, os jornais estão vendendo cidadãos e mentes às empresas. Para isso, dão prioridade às informações fáceis, que podem ser aceitas pela imensa maioria. Em geral, este tipo de informação sem qualidade é gratuita e, por isso, possuem um custo menor para a empresa. “É a venda da massa aos anunciantes não propriamente do ponto de vista econômico, mas sobretudo psicológico”, resumiu.

Ignácio Ramonet, que foi o primeiro pensador a usar o termo “pensamento único” - que para o autor era significado de globalização -, afirmou que as empresas possuem uma única lógica (a do mercado) e uma ideologia (neoliberal). “Fica parecendo que há uma única resposta, que é produzida pelo mercado. Trata-se da mão invisível, que atinge quase todos os setores, como educação, saúde, economia e outros. É preciso colocar um limite”, defende. O enfrentamento fundamental que Ramonet enxerga ocorre entre o mercado e o Estado, o privado e o Público.

“Todo cidadão tem o direito a informações corretas. Trata-se também de um bem comum público, não se restringe aos jornalistas. Não pode haver interesses corporativos”. E concluiu: “Que a liberdade de expressão seja a expressão de uma sociedade democrática”.

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Gustavo Barreto é editor da revista Consciência.Net (www.consciencia.net), colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação (www.piratininga.org.br), estudante de Comunicação Social da UFRJ e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Inciação Científica (PIBIC) pela ECO/UFRJ. Contato por e-mail: gustavo@consciencia.net

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