"Alexandre,
o grande": foi mal de bilheteria, melhor na ousadia
O mais recente filme de Oliver Stone mostra um Alexandre guerreiro, corajoso, conquistador. E bissexual. Isso parece estar contribuindo para seu fracasso nas bilheterias. De nossa parte, merece aplausos pela coragem de levar a questão ao grande público. Por Sérgio Domingues, janeiro de 2005 A mais recente superprodução épica do cinema foi um fracasso de público nos Estados Unidos. Trata-se de "Alexandre, o grande", de Oliver Stone. A maioria dos comentaristas atribui o fracasso ao fato de que a obra deixa explícita a bissexualidade do rei da Macedônia. Afinal, para o senso comum, seria difícil ligar uma figura que unificou a Grécia e dominou todo o mundo conhecido na época com uma sensibilidade sexual condenada pela maioria conservadora. Mas também há os que destacam uma narrativa que não cedeu ao esquema começo, meio e fim. As duas constatações parecem se preocupar com o perfil de um certo público. O grande público. Há muitos filmes que falam abertamente de homossexualidade e bissexualidade. Há muitos filmes que põem de cabeça para baixo as seqüências e deixam para o espectador a tarefa de pôr tudo no lugar. Nem por isso, são considerados fracassos. É que, em geral, não são filmes para estourar bilheterias. E se, às vezes, o fazem, é sem querer. Diferente do Aquiles de "Tróia",
o "Alexandre" de Stone arriscou
Stone resolveu arriscar. E parece que perdeu. Pelo menos do ponto de vista da bilheteria. Quanto ao filme, a ousadia nem é tanta assim. A paixão de Alexandre por seu amigo de infância, Hefestion, é clara. Mas, o personagem de Hefestion mal se destaca na trama. Parece mais um boneco bonito para quem Alexandre olha com olhos desejosos. A cena homoerótica mais explícita nem acontece entre eles. Alexandre beija um dançarino na boca, durante uma de suas costumeiras orgias. Ainda que olhe para Hefestion, enquanto o faz. A outra razão levantada para explicar o fracasso é a narração confusa. Mas, nem é tão confusa assim. Há idas e vindas no tempo, é verdade. A escolha de Angelina Jolie para o papel de Olimpias, a mãe do Alexandre vivido por Collin Farrel também não ajuda. Na vida real, a diferença de idade entre os dois é de um ano. Mas estes parecem ser elementos insuficientes para explicar o fracasso. Mais provável é que o elemento mais forte na aparente rejeição popular do filme seja mesmo a bissexualidade de Alexandre, apresentada de forma clara. "Não havia o conceito de gay
nos tempos antigos"
Em entrevistas posteriores, Oliver Stone andou dizendo que se arrependeu de dar tanta ênfase à sexualidade de Alexandre. Um recuo compreensível. Dos US$ 200 milhões de dólares investidos, as bilheterias americanas pagaram pouco mais de US$ 50 milhões. Compreensível, mas lamentável. Não há nada de especialmente errado na abordagem de "Alexandre, o grande" sobre a bissexualidade. O problema é fazer isso em um filme feito para render muita bilheteria e com o tema escolhido. Filmes épicos são o terreno da cultura machista, não de ambigüidades sexuais. O tamanho do dinheiro empregado não combina com a pequenez com que as orientações sexuais alternativas são tratadas no mercado de entretenimento. Tabus sexuais têm que ficar isolados.
Nos guetos
Em grandes filmes épicos norte-americanos, a questão da sexualidade homoerótica sempre entrou de contrabando. É o caso, por exemplo, de "Ben Hur" (1959), em que o fascista Charlton Heston interpretava o personagem-título. Mal sabia o ultraconservador Heston que o roteiro original previa um relacionamento amoroso entre seu personagem e seu amigo de juventude, Messala (Stephen Boyd). Dizem que apenas Boyd ficou sabendo e acabou dando um tom diferente ao personagem, sem que seu colega de tela notasse. Por outro lado, e voltando aos filmes de Stone, ele mesmo admite na entrevista para a revista Época, que "Platoon" dificilmente seria realizado por Hollywood hoje em dia. Ainda mais depois de que o diretor realizou dois documentários simpáticos a Fidel Castro, nos anos 1990. Mas, voltamos ao mesmo ponto. Ao conservadorismo cada vez maior a que o público em geral tem sido conduzido.Algo que tem muitas formas. Sociais, econômicas, políticas, ideológicas e culturais. Mas, que talvez tenha muito a ver com o padrão de sociedade que estamos vivendo desde a implantação das políticas neoliberais por todo o mundo. De qualquer maneira, o filme
de Oliver Stone vai entrar para a história. Não como sucesso
de bilheterias, ou como o melhor dos filmes épicos. Sim, pela coragem
de levar aos cinemas um herói histórico bissexual. Sem querer,
Stone continua perturbando. Felizmente.
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