Monopólio
da mídia, déficit democrático
Além dos fatores externos, como a internet e os jornais distribuídos gratuitamente, há um fator interno que explica a queda nas vendas dos grandes veículos da imprensa escrita, segundo Ignácio Ramonet: a perda de credibilidade. Por Emir Sader, da Agência Carta Maior, 10/1/2005 “O objetivo da TF1 é ajudar a Coca-Cola a vender seu produto. O que nós vendemos à Coca-Cola é o tempo de cérebro humano disponível”. A declaração é de Patrick Le Lay, dono do principal canal da televisão francesa. Está reproduzida no editorial de Ignácio Ramonet no Le Monde Diplomatique, edição de janeiro de 2005. A afirmação de Le Lay é a exacerbação da nova lógica das grandes mídias em escala mundial, dominadas pela dinâmica de busca de lucros no mercado. As novas aquisições levam nessa direção, submetendo órgãos da mídia, que deveriam ter um papel público, à lógica mercantil. Nesse sentido, o novo proprietário do principal jornal conservador francês (Le Figaro), Sergio Dassault, também o maior fabricante de armas daquele país, declara: “Eu desejaria, na medida do possível, que o jornal valorize mais nossas empresas. Eu julgo que há algumas informações que necessitam muita precaução. Acontece isso com artigos que falam dos contratos em processo de negociação. Há informações que fazem mais mal do que bem. O risco é de colocar em perigo interesses comerciais ou industriais do nosso país”. A “nosso país”, esclarece Ramonet, o leitor deve entender como a empresa de Dassault que fabrica armamentos. Com isso, o empresário censura uma entrevista sobre a venda fraudulenta de aviões Mirage a Taiwan, bem como uma conversa entre os presidentes Jacques Chirac, da França, e Abdelaziz Boufeflika, da Argélia, sobre um projeto de venda de aviões Rafale. O diretor do International Herald Tribune, Walter Wells, alerta para os riscos da aparentemente neutra atitude de colocar ações de órgãos da mídia em bolsas de valores: “Freqüentemente aqueles que devem tomar uma decisão jornalística se perguntam se ela fará baixar ou subir em alguns centavos o valor na bolsa das ações da empresa. Esse tipo de decisão se tornou capital, os diretores dos jornais recebem constantemente diretivas nesse sentido por parte dos proprietários financeiros do jornal. É um fato novo no jornalismo contemporâneo, o que não acontecia anteriormente.” Acontece que a mídia tradicional – particularmente a escrita – se tornou deficitária, ao mesmo tempo que diminui regularmente a quantidade de exemplares vendidos. Somente na União Européia, nos últimos oito anos o número de jornais diários vendidos diminuiu em 7 milhões de exemplares. Até mesmo um dos casos de exceção, o Le Monde Diplomatique, que havia tido um aumento regular de sua venda em 35% entre 2001 e 2003, sofreu no ano passado um recuo de 12%. Além dos fatores externos – como a internet, os jornais distribuídos gratuitamente, os blogs etc. –, existe um fator interno, decisivo: a perda de credibilidade da imprensa escrita. “Em primeiro lugar – diz Ramonet – porque ela pertence cada vez mais, como vimos, a grupos industriais que controlam o poder econômico e estão em conivência com o poder político. E também porque o ponto de vista, a falta de objetividade, as mentiras, as manipulações e até mesmo simplesmente as matérias fajutas não deixam de aumentar”. Grandes mídias são transformadas em órgãos de propaganda, como foi o caso de cadeias televisivas e dos grandes jornais dos EUA na guerra do Iraque. Nós mesmos conhecemos no Brasil a ação monopólica e antidemocrática da grande mídia, seja na cobertura das recentes eleições municipais, seja na luta pelos seus próprios interesses, como no caso do debate sobre a Ancinav. A venda do ex-jornal libertário francês Libération para o banqueiro Edouard Rotshchild é mais um triste exemplo disso. Ramonet conclui que essas alianças cada vez mais estreitas entre o poder econômico e o poder político, afetando diretamente a credibilidade da mídia, revelam um inquietante déficit democrático. Quem mais atenta contra a imprensa livre é a globalização liberal, que está por trás desses movimentos. E termina reafirmando o compromisso do Le Monde Diplomatique – a melhor publicação de política internacional do mundo: “...a redação do Le Monde Diplomatique se compromete a seguir melhorando seu conteúdo editorial e considera que nada é tão importante quanto não trair a confiança de seus leitores. Nós contamos com a mobilização e a solidariedade de vocês para defender a independência do nosso jornal e a liberdade que ela nos garante. A melhor maneira de nos apoiar é a de assinar imediatamente e conseguir assinaturas de seus amigos.” “Nós desejamos ser o
jornal da sociedade em movimento, daqueles que querem que o mundo mude.
E nós nos esforçamos para permanecer fiéis aos princípios
fundamentais que caracterizam nossa maneira de informar. Reduzindo a aceleração
midiática; apostando em um jornalismo das luzes para dissipar a
parte de sombra da atualidade; interessando-nos em situações
que não estão sob os projetores da atualidade, mas que ajudam
a compreender melhor o contexto internacional; propondo dossiês ainda
mais completos, mais profundos e melhor documentados sobre as grandes questões
contemporâneas; chegando ao fundo dos problemas com método,
rigor e seriedade; apresentando informações e analises inéditas
e freqüentemente ocultadas; tentando avançar na contra-corrente
das mídias dominantes. Seguimos persuadidos de que, da qualidade
da informação, depende a do debate da cidadania. A natureza
deste determina, em última instância, a riqueza da democracia.”
Serviço: Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História". Artigo da Agência Carta Maior de 10/1/2005Núcleo Piratininga de Comunicação — Voltar |