Venício
A. de Lima
“Quem faz a História somos nós” RIO DE JANEIRO. Com o enfraquecimento histórico dos partidos no País e o apoio do regime militar, a Rede Globo pôde ocupar espaços políticos e até mesmo forjar uma História do Brasil própria. É isso o que argumento o pesquisador da UnB Venício A. de Lima, que conversou com a equipe do Boletim NPC durante o 10o Curso anual do Núcleo. Autor do livro “Mídia – Teoria e Política” (Perseu Abramo, 2004), ele pede a atenção dos movimentos sociais para a forma como a Globo fala do passado – “importantíssimo para orientar a ação de presente” – e enxerga nas rádios comunitárias um dos grandes avanços do povo brasileiro. Por Rosângela Gil e Gustavo Barreto, dezembro de 2004. Boletim NPC. Qual a relação entre a força da tradição partidária e o avanço do poder das Organizações Globo? Venício A. de Lima. A discussão contemporânea sobre partidos políticos – e não é um problema apenas brasileiro – constata que há um enfraquecimento institucional dos partidos. Inclusive em partidos tradicionais, como os europeus. Há vários estudos que mostram que estes partidos perderam muito de sua capacidade de representação. Boletim NPC. Isso tem a ver com o que se costuma chamar de “o fim das ideologias”? Venício A. de Lima. Acho que não. Acho que é um problema de transformação da natureza da política. É um problema complexo, porque os partidos perderam a capacidade de canalizar as demandas, fazer representação popular. Hoje você tem temas que vão além dos partidos, como a igualdade feminina ou o meio ambiente. Há uma discussão geral sobre o enfraquecimento dos partidos. Em muitos casos, a mídia tem sido considerada uma instituição que tem competido com os partidos, porque tem executado funções que são tradicionais dos partidos políticos. Informar a população, construir a agenda do debate público, fiscalizar o governo. Coisas que você encontra em um manual de partido político como sendo função deles. No caso brasileiro, tem uma coisa interessante. Pela História política do País, se você pega da República para cá, o Brasil não chegou - no argumento de muitos pesquisadores - a constituir uma tradição forte de partidos políticos. Ao contrário, por exemplo, da Venezuela, da Colômbia e do Uruguai, que têm partidos políticos fortes. A consolidação da Globo como uma instituição política e como um ator político importante no processo brasileiro tem a ver com o fato de que ela encontrou um espaço institucional favorável. Isso foi possível porque nós não temos tradição partidária forte. Ela ocupou com mais facilidade este espaço. Não que tenha substituído ou acabado com os partidos. Ela passou a executar funções – sobretudo no regime autoritário, em que havia limitações sérias nas atividades partidária e sindical – e encontrou um ambiente propício para florescer como uma instituição que executasse também isso. Esse é o argumento. Boletim NPC. Você comentou em sua palestra sobre o caso bem sucedido do quinto poder da Venezuela, ou seja, da capilaridade dos movimentos sociais venezuelanos. Qual é o grau de capilaridade, no caso brasileiro? Venício A. de Lima. Varia de região para região. Até onde eu conheço – até porque evidentemente eu não tenho a pretensão de conhecer o que acontece no Brasil inteiro – o Rio Grande do Sul, e especificamente Porto Alegre, é um exemplo interessantíssimo de organização popular. Você tem o caso do Orçamento Participativo. É claro que nas últimas eleições locais, a maioria da população preferiu um candidato que fazia oposição. Mas ele fez o discurso pró-Orçamento Participativo. Mesmo assim, se você olhar o mapa eleitoral da cidade de Porto Alegre, você vai ver que o PT venceu nos bairros mais pobres que possuem organizações populares. Em São Paulo também. Mas acho que nós estamos avançando. Veja a quantidade de rádios comunitárias. Mostra um aumento da consciência da importância de se ter um veículo de comunicação. Isso é um avanço. Boletim NPC. Quem faz a História é quem conta a História? Venício A. de Lima. Não. Eu acho que quem conta a História influencia na forma como ela é feita. Mas quem faz a História somos nós. No entanto, quem conta a História tem um poder danado. Estou convencido disso, porque você constrói a representação do passado. E o passado é importantíssimo para orientar a sua ação de presente. É por isso que nós não podemos descuidar dessa questão. Boletim NPC. E o caso do golpe de 64 e da Rede Globo, que possui atualmente vários projetos que refazem e tentam contar oficialmente esta História? Venício A. de Lima.
Esse é um problema. A gente não pode estar desatento a isso,
porque a Globo está preocupada com essa questão e está
recontando a História. Daqui a pouco a História do Brasil
vai virar a História que o Jornal Nacional contou. É um problema
sério.
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