Monopólio privado
da mídia é obstáculo à democracia
Por Emir Sader, Agência Carta Maior, 25/10/2004. A aliança entre os dois maiores jornais de SP, se alinhando ao candidato da coligação PSDB/PFL, fez desses órgãos veículos de campanha, falseando a informação e fabricando um consenso que atenta contra a democracia.
A passagem da ditadura à democracia no Brasil, produto de um conluio expresso no Colégio Eleitoral, foi mais um pacto de elites na história do país. Nenhuma reforma profunda que atentasse contra a concentração de renda e de poder no Brasil foi posta em prática. Ao contrário, se consolidou o monopólio privado sobre fatores fundamentais de poder, como o dinheiro e a terra, acontecendo o mesmo com os meios de comunicação. Recordemos que na campanha pelos 5 anos de mandato para José Sarney, ACM – então ministro da Comunicações – terminou de repartir pelo Brasil afora os canais de televisão e as concessões de rádio que ainda restavam. Quanto à imprensa escrita, as mesmas famílias continuam a ser proprietárias dos maiores conglomerados da mídia. Terminou a censura externa, passando os proprietários privados desses meios a usar, conforme seus interesses e critérios, os espaços de expressão de seus jornais e televisões. Uma liberdade condicionada pelo filtro de meios de comunicação diretamente dependentes das agências de publicidade e das empresas que costumam anunciar – dentre elas, as faculdades privadas, as empresas de telefonia, os bancos – de que são caudatários. As eleições municipais deste ano se constituem em um caso paradigmático, a ser estudado para sempre nos cursos de jornalismo – nas universidades públicas, é claro, porque as outras costumam estar mancomunadas com esses meios, nos quais anunciam constantemente –, de como a ditadura da mídia privada é incompatível com a democracia. Não basta o financiamento público de campanhas para democratizar as eleições, se a mídia fabrica consensos – conforme a expressão de Noam Chomsky – e depois fatura com os governantes eleitos com seu apoio decisivo. Não fosse a Sociedade
Interamericana de Prensa (SIP), um órgão da guerra fria dirigido
pelos próprios proprietários privados da grande mídia
monopólica do continente, ela deveria colocar o caso de deturpação
do direito de expressão e de liberdade de imprensa na pauta da sua
próxima reunião. À falta disso, o Observatório
Brasileiro de Mídia – que demonstrou inequivocamente como a cobertura
dos dois maiores jornais favorece o candidato que apóiam, sem que
nenhuma tentativa de responder a esses argumentos fosse sequer esboçada
pelos seus proprietários, demonstrando um silêncio que concorda
com as acusações – tem um papel cada vez mais importante
a desempenhar, se quisermos que o Brasil um dia chegue a ser uma democracia
real, objetivo ao qual se opõe frontalmente o monopólio privado
da mídia.
Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História". Núcleo Piratininga de Comunicação — Voltar |