Rádios comunitárias:
repressão política continua
A Anatel e a Política Federal fizeram nesta sexta-feira, dia 29/11/2004, incursões por 15 emissoras de rádio comunitárias em Belo Horizonte, MG, quebrando e seqüestrando equipamentos, prendendo e algemando seus integrantes. A Rede Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária) soltou nota repudiando a atitude do governo federal contra as rádios de baixo potência, consideradas uma trincheira de todos aqueles que lutaram pela democracia, desde o golpe militar de 1964. Leia a íntegra da nota assinada pela coordenação nacional da Rede Abraço “Polícia Federal, Anatel
e coronéis da comunicação comemoram 29 anos do assassinato
de Herzog com repressão e operação midiática
para criminalizar movimento de radiodifusão comunitária
Existem no Brasil de hoje milhares de rádios de baixa potência (livres, educativas e majoritariamente comunitárias) que começaram a surgir no calor da luta travada pelo povo brasileiro a partir do golpe militar de 1964, que mergulhou nosso país num longo período de angústia, agonia, com cassação do direito do povo de ir e vir, de reunir, de se expressar. Naquele período, sindicatos, associações, universidades, movimentos sociais, artísticos, culturais, estudantis, pessoas como o atual Presidente da República, seu antecessor, intelectuais e a maioria dos cidadãos sofreram violências para os calar. Foram muitos brasileiros e brasileiras exilados, presos, condenados, torturados e mortos pelos órgãos de repressão da ditadura, vitimados em seus porões, em suas prisões. Muitos destes se tornaram símbolos ao enfrentarem os golpistas e seus asseclas. No dia 25 de outubro, infelizmente, completam-se 29 anos do assassinato de um destes mártires: o jornalista Vladimir Herzog. Vladimir Herzog e muitos outros foram e são os inspiradores de nossas lutas pelo direito a um Brasil democrático, soberano, com a comunicação livre, sem monopólio, com controle público, com veículos democratizantes da comunicação como as rádios comunitárias e de baixa potência que a cada dia, a cada hora, a cada minuto surgem neste país de latifúndios da terra e do ar. A ABRAÇO assume, juntamente com outras entidades, o movimento nacional contra o monopólio da comunicação, denunciando a apropriação secular dos meios de comunicação de massa em nosso país, por algumas famílias, as quais impõem ao povo brasileiro o que ver, ouvir, ler, consumir, aprender e repetir. São os (de)formadores de opinião... A ABRAÇO Nacional vem denunciar os fatos ocorridos em MG, no fatídico dia 25/10/2004, onde 15 rádios comunitárias tiveram seus equipamentos seqüestrados e apreendidos, em uma ação conjunta da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e Polícia Federal, sob mandado do juiz Francisco de Assis Betti, da 9ª Vara Federal em Belo Horizonte, onde comunicadores populares foram algemados, tratados como bandidos, autuados em flagrante, sob a mira de metralhadoras, sem ter cometido crime algum e obrigados a assinar Termos Circunstanciados de Ocorrência, comprometendo-se a comparecer perante o Juiz Criminal Federal que outorgou tamanha arbitrariedade. Tudo isto, a despeito da grande maioria possuir processo de pedido de outorga em andamento no Ministério das Comunicações, há alguns anos, para o que já há jurisprudência assegurando que, após 90 dias de espera, a emissora pode ser operada livremente, ficando a fiscalização impedida de autuá-la por este motivo. [ Esta e outras jurisprudências estarão disponíveis brevemente em www.abraconet.org.br. ] A ABRAÇO está, no mínimo, estarrecida com o aparato utilizado pelas forças do Governo Federal que utilizaram 17 veículos de alto luxo e potência, tais como picape Ranger 4x4 2.8 Turbo Diesel, Fiat Tempra, VW Golf e outros, sendo algumas de suas placas HGS 9112, HGS 1469, HBA 9946, HBA 9927, GUL 5927, HGS 6491, HDM 9734, HDM 1129, HAO 0514, HCA 0150, GZW 5314, GZH 4535. Trata-se de veículos novos, sua imensa maioria é financiada e de alto valor financeiro, conforme pode ser confirmado em www.detrannet.mg.gov.br. É de conhecimento público que o Governo não adquire veículos através de financiamentos ou consórcios, mas somente à vista. Tais veículos são de propriedade do Estado? Seriam os fiscais da ANATEL tão bem remunerados para terem veículos deste valor e tão dedicados ao serviço, a ponto de usar seus bens particulares numa operação de busca e apreensão de equipamentos? Poderia a ANATEL ter alugado veículos de valor tão alto, quando poderia alugar populares? O setor privado de comunicação no país foi implantado à margem da lei e funciona assim até hoje. O desrespeito ao marco regulatório vigente é grande e está espalhado nos quatro cantos do país. A falta de uma fiscalização por parte do Minicon e Anatel para irregularidades gritantes do setor comercial, somada ao fato de sobrar disposição, recursos e estrutura para a repressão às comunitárias, é uma aberração de proporção incalculável, quando comparada com a ineficiência na análise dos dezenas de milhares de pedidos de autorização para funcionamento. Exigem investigação profunda do Ministério Público, Comissão Parlamentar de Inquérito e Corregedoria da União. A ABRAÇO Nacional denuncia que esta ação em Minas Gerias não é aleatória. Minas Gerais denunciou o projeto do governo FHC, denominado Portal do Alvorada, que nada mais era do que palanque eleitoral de José Serra nas eleições presidenciais passadas. Em Minas Gerais gestou-se a Rede ABRAÇO de Rádios, que vem cobrindo atividades da CUT, do MST, do FNDC, do Fórum Social Brasileiro, Fórum Mundial de Educação, Manifestações contra o Ato Médico e se prepara para cobrir o V Fórum Social Mundial. Em Minas Gerais, gestou-se a Casa Macunaíma [ www.casamacunaima.fsb.org.br ], uma central popular de comunicação para cobertura permanente e em tempo real de grandes eventos sociais, contrapondo-se ao pensamento único e manipulado da mídia comercial. A Rede ABRAÇO de Rádios tem como cabeça de rede e retransmissoras várias das 15 rádios que foram arbitrariamente fechadas. A ABRAÇO NACIONAL está
solidária com a ABRAÇO MINAS e suas rádios comunitárias
e reafirma a denúncia de que esta ação do Governo
Federal não é aleatória. Entende que a forma espetacularizada
com que foi feita a operação "Capitão Gancho", o aparato
empregado, a divulgação em veículos de comunicação
privados da operação e da convocação de uma
coletiva à imprensa simultaneamente à operação,
o local e o cenário montado para dar a coletiva na Polícia
Federal, a ênfase em classificar os dirigentes das emissoras de proprietários
e a insistência em voltar a nos estereotipar de piratas, teve como
objetivo midiático vincular nossas emissoras à contravenção,
tentando passar a idéia de que somos criminosos financiados pelo
crime organizado, quando uma das emissoras vítimas desta truculência
é foi construída e dirigida por portadores de necessidades
especiais e mantida pela ANADEFI – Aliança Nacional dos Deficientes
Físicos.
A ABRAÇO Nacional conclama
todos os movimentos, entidades e pessoas comprometidas com um outro Brasil
necessário e possível, o FNDC, MST, CUT, UNE, CMP, FENAJ,
CFP, FITERT, ENECOS, IPF, ABONG, IBASE, CONAM, Cáritas Brasil, Marcha
Mundial das Mulheres, MNDH, OAB, CNBB, etc., divulgando este documento
para suas redes e a se manifestarem e solidarizando-se com as emissoras
e contra ações do Governo Federal que, através do
Ministério das Comunicações, Anatel e Polícia
Federal tenta calar o povo brasileiro pelo fechamento de suas rádios
comunitárias, instrumentos que vieram para dar voz àqueles
que só ouviam: população pobre, afrodescendente, jovens,
trabalhadores, homens e mulheres das periferias de Minas Gerais e dos demais
estados brasileiros. As mensagens devem ser enviadas para [ abraconacional@fr.fm
], até o dia 10/10/2004, em tempo de serem incluídos na defesa
das rádios, e, se possível, com cópia para a Presidência
da República [ protocolo@planalto.gov.br ], ministros mineiros Luiz
Dulce [ sg@planalto.gov.br ], Patrus Ananias [ ascom@mds.gov.br ] e Nilmário
Miranda [ direitoshumanos@sedh.gov.br ].
Por detrás desta ação,
a intenção do monopólio que manipula o Governo Federal
é quebrar a organização das rádios comunitárias,
desarticulando a ABRAÇO a partir de Minas Gerais. Nossas rádios
comunitárias são poupanças populares, cujo retorno
à população que as mantém é o combate
à cultura imposta, é a construção de uma identidade
política, cultural, econômica e social de um Brasil para os
brasileiros. O Governo Federal, ao seqüestrar estes equipamentos,
faz como Collor de Melo que confiscou o dinheiro daqueles que pouco tinham
e imita o governo FHC que gerenciava o Brasil preocupado em atender aqueles
que historicamente, há mais de quinhentos anos, expropriam nosso
povo de seus sonhos, desejos e realizações.
A ABRAÇO Nacional, que ao ser convidada pelo Governo Federal, participou ativamente do Grupo de Trabalho do Ministério das Comunicações para tratar questões referentes às rádios comunitárias. O resultado final deste GT, foi a produção de um relatório que definiu procedimentos fornecendo ao governo soluções demandadas. O fato do governo não ter implementado nenhumas delas e ao mesmo tempo ter ampliado sua ação repressora, faz com que a ABRAÇO se movimente no sentido de responsabilizá-lo pelo caos e desordem em que nos encontramos hoje, além de ser passível de ações judiciais, na medida em que como poder concedente se abstém de cumprir sua obrigação precípua, qual seja, analisar os pedidos e respondê-los, dentro do prazo legal. Dia 04/11/2004, a partir da Câmara Federal o movimento de radiodifusão comunitária, estará realizando uma teleconferência sobre a Repressão às Rádios Comunitárias no Brasil, via, onde através do sistema de vídeo-reunião, analisaremos mais profundamente este quadro, para o que todos estão convidados. Basta agendar na Assembléia Legislativa ou Distrital de cada unidade da federação e participar, a partir de 9 h da manhã, até as 18 h. Acesse www.abraconet.org.br, onde o sinal de áudio estará disponível em português, inglês, francês e espanhol. Uma outra comunicação é necessária para um outro Brasil ser possível. A ABRAÇO NACIONAL, desde já, orienta as ABRAÇOS ESTADUAIS para que comecem a organizar encontros regionais que culminarão numa plenária do nosso movimento no V Fórum Social Mundial e num grande ato em Brasília. Brasil, aos 29 anos do assassinato do companheiro Vladimir Herzog.” Clementino Lopes
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