Rádios comunitárias: Partindo para o contra-ataque

Por Luís Brasilino, do Brasil de Fato, Edição Nº 88 de 11 de novembro de 2004
 

Cansados de resistir à repressão, defensores de rádios comunitárias de todo país resolveram se unir para enfrentar o poder daqueles que querem seu fim. Com esse objetivo, dia 4 foi realizada a "Discussão nacional sobre a repressão às emissoras de baixa potência e seus aspectos jurídicos". Durante um dia inteiro, com transmissão por videoconferência, dezenas de pessoas participaram do evento em Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP) e Teresina (PI).

"Como a repressão é unificada - em torno da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) -, percebemos que era necessário unificar a resistência", explica José Guilherme Castro, coordenador de comunicação da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), uma das organizadoras do evento.

"Estamos cansados de apanhar. Decidimos parar de só resistir. Vamos partir para o ataque. Vamos planejar manifestações de rua, ocupar rádios comerciais, fazer denúncias internacionais e chamar os movimentos sociais para participar da luta", acrescenta Castro.

No Brasil, existem mais de 20 mil rádios comunitárias e, só neste ano, pelo menos 3 mil foram fechadas. Em 2003, este número chegou a 4,4 mil, o que representou um aumento de 30% em relação aos anos de gestão Fernando Henrique Cardoso. Ao todo, 2 mil pessoas ligadas às rádios comunitárias foram presas, e mil estão sendo indiciadas em inquéritos da Polícia Federal (PF). 

REPRESSÃO
São dois os órgãos responsáveis pelo fechamento das emissoras, a PF e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Quando esta última foi criada, em 1997, ela foi proibida de fechar as rádios porque, segundo a Constituição Federal, "não se pode privar ninguém de sua liberdade nem de seus bens sem o devido processo legal".

O que a Agência fez, então, foi editar uma resolução interna que lhe deu poderes de lacrar, não fechar, as rádios. Ou seja, por meio de uma artimanha, criou uma regra que lhe permite fazer exatamente aquilo que a Constituição proíbe.

A Anatel lacra e depois a PF faz a sua parte, que é prender os que militam nas rádios comunitárias e seqüestrar os seus equipamentos. A polícia faz isso baseada numa lei do regime militar, criada em 1967 pelo general Humberto Castelo Branco e inalterada até hoje. Ela pune com um ou dois anos de prisão quem participa de rádios comunitárias.

A lei de 1997, que criou a Anatel, também condena a prisão de quem opera "rádios clandestinas". No entanto, de acordo com diversos juízes, ela não se aplica às rádios comunitárias. A discussão jurídica é extensa, mas, para os participantes da videoconferência, a criminalização das rádios comunitárias tem motivação política.

AÇÕES
"No grupo de trabalho criado pelo Ministério das Comunicações, no ano passado, para discutir as centenas de casos pendentes que envolviam rádios comunitárias, ouvimos da Anatel que seu papel é cumprir a lei. Aceitamos a fiscalização, mas sugerimos mudanças: queríamos um controle de caráter menos punitivo e mais educativo", conta José Nascimento Soter, da coordenação nacional da Abraço.

Uma das decisões da videoconferência foi aumentar a pressão para o governo federal aprovar essa proposta. Em julho de 2003 foi elaborada uma portaria que, para vigorar, necessita apenas da assinatura dos ministérios das Comunicações e da Justiça, e que contemplaria aquela sugestão. Até agora, nada foi feito.

Na videoconferência também ficou decidido que as rádios comunitárias vão promover uma plenária sobre a repressão no próximo Fórum Social Mundial, em Porto Alegre; realizar audiências públicas estaduais nas comissões de direitos humanos em todas as assembléias legislativas; produzir um CD-ROM informativo sobre as rádios; fazer um levantamento, Estado por Estado, com as informações da PF e dos envolvidos nas rádios, comparando-as; sistematizar os documentos obtidos pela deputada federal Iara Bernardi (PT/SP) sobre ações de repressão; e elaborar documento para enviar à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Também participaram da organização do debate a Associação Mundial das Rádios Comunitárias, a Federação das Associações de Rádios Comunitárias do Rio de Janeiro, o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e o gabinete do deputado federal Edson Duarte (PV/BA).
 

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