A grande mídia encobre a situação no Iraque

João Alexandre Peschanski, para o Brasil de Fato, outubro de 2004
 

O professor de jornalismo Dimas Antônio Künsch assinala os riscos que se corre ao depender das informações da grande mídia para entender o que ocorre no Iraque: os três principais semanais brasileiros - Época, IstoÉ e Veja - não cobrem a situação do país, mas encobrem. Com base em uma pesquisa, que realizou na Universidade de São Paulo (USP), ele concluiu que os semanais são igualmente ruins.

Brasil de Fato - Pelas informações que se recebe da grande mídia, é possível saber o que ocorre no Iraque?

Dimas Antônio Künsch - Objetivamente, não. Consegue o efeito contrário: a desinformação. Grande parte da mídia não cobre o que ocorre no Iraque, mas encobre. Fiz uma pesquisa de um ano (de 11/09/2002 a 11/09/2003), coletando tudo o que as três maiores revistas brasileiras - Época, IstoÉ e Veja - publicaram sobre o Iraque e os países do assim chamado Eixo do Mal (termo cunhado pelos EUA para designar os países que supostamente seriam uma ameaça para o mundo ocidental, como Afeganistão, Coréia do Norte e Iraque).

BF - Por que apenas estas três revistas?

Künsch - Semanais não têm desculpa por não aprofundar suas reportagens. Têm a obrigação de fazer jornalismo que traga compreensão e mostre os nexos e contextos das informações. Não podiam cair no argumento fácil de que, em uma guerra, tudo é rápido e, por isso, pode haver erros.

BF - Quais foram as conclusões da pesquisa?

Künsch - As revistas são igualmente ruins. O destaque vai para a Veja, pró-estadunidense até o último fi o de cabelo, que fez uma cobertura - ou encobrimento, como preferir - vergonhosa e arrogante. As reportagens dos três semanais foram superficiais, baseadas apenas em informações de agências internacionais e cheias de vícios. A linha editorial, por conta disso, sempre foi a partir do foco dos Estados Unidos. Além disso, há algo horrível: as fontes eram todas do poder. Na conta, as referências não chegam a 15 pessoas, como o presidente estadunidense, George W. Bush e seus secretários de Defesa e de Estado, Donald Rumsfeld e Colin Powell. Do lado inimigo, aparecia Sadam Hussein e seus filhos.

BF - Por que as revistas adotaram esta estratégia?

Künsch - Existe o argumento de que a grande mídia brasileira atende a interesses do imperialismo. Não discuto as relações estreitas que existem entre os conglomerados de mídia e os Estados Unidos, mas o fenômeno não é só isso. No caso do Iraque, transparece um vício da mídia: a fragmentação. De tanta informação, que chega em picados, não se consegue entender mais nada. Aliás, o propósito é este: informar, mas sem trazer conhecimento. Nesse sentido, o pós-guerra é igual à guerra, que é também igual ao período anterior à guerra. O problema é que a mídia não assume os erros, não faz mea culpa, e todos terão a impressão de que as coisas ocorreram do modo como falaram. 

Quem é
Professor de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo (SP), Dimas Antônio Künsch é especialista em ciência da comunicação. Ele é autor de Maus Pensamentos: os Mistérios do Mundo e a Reportagem Jornalística (Annablume). 
 

Publicado no jornal Brasil de Fato, em outubro de 2004
 

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