Sobrevôo de brasileiro
do NPC em Madrid
Por Régis Moraes, em setembro de 2004 Em 1975, quando Franco morria e o franquismo se desmanchava, apenas 2,3% da população economicamente ativa de Espanha tinham educação superior. Vinte e cinco anos depois, esse percentual chegou aos 10 pontos. Ainda nesse final de século, entre os espanhóis de 25 a 64 anos, 21% tinham algum tipo de educação terciária. Mas, quando consideramos a faixa dos 25-34 anos, aquela faixa que foi graduada já no pós-franquismo, o índice salta para 33%. O contraste entre gerações só não é maior porque as escolas superiores espanholas incorporaram, decididamente, muitos indivíduos acima da chamada “faixa adequada”, a dos 18-24, que, definitivamente, não parece adequada para analisar paises de urbanização e escolarização tardias. O censo de 1991 registrava que cerca de 20% dos estudantes universitários eram filhos de operários. Mas, grande como pareça este número, ainda temos, aí, uma sub-representação, um sinal de exclusão: afinal, 36% das famílias espanholas tinham “chefes” operários. No final do milênio, a Espanha tinha cerca de 1,6 milhões de estudantes de nível superior, para uma população de 40 milhões. O Brasil, na mesma data, tinha quase 3 milhões de estudantes, mas para uma população mais de três vezes maior. E, sublinhemos, uma população mais jovem, mais próxima da famosa “idade adequada”. Quantos estudantes deveríamos ter, para alcançar a Espanha? Perto de 90% das matriculas do nível superior, na Espanha, estão em escolas públicas. Muito diferente do Brasil, onde perto de 70% “pertencem” ao setor privado — e esse “pertencem” tem muitos e importantes sentidos. A propósito, poucos paises têm perfil similar ao do Brasil, neste aspecto. Japão e Coréia são os exemplos mais fortes de presença grande de escolas privadas. Mas, lembremos, são paises com renda per capita muito superior à do Brasil e desigualdades de renda e propriedade bem menos acentuadas. A Coréia, aliás, estimulada e apoiada pelos Estados Unidos, fez uma reforma agrária que no Brasil seria chamada de comunista pela imprensa falada, impressa e televisada, imprensa sempre muito propensa a confundir liberdade e propriedade. Porém, ainda há uma importante qualificação a ser feita no parágrafo anterior: escola pública não quer dizer necessariamente gratuita. Assim, como, em certa medida, empresas públicas de energia, transporte ou telefone também não tenham essa implicação. Escola pública não é gratuita na Espanha, nos Estados Unidos, em Portugal, na Austrália e em muitos outros países do mundo. Um estudante espanhol paga perto de 1000 dólares anuais (dependendo da carreira) por um curso de graduação. Não é tanto, para um país de renda per capita de US$ 15 mil (a do Brasil é inferior a US$ 3 mil). Um college público norte-americano custa ao estudante perto de US$ 1800 anuais. Mas a renda per capita nos EUA é mais de dez vezes a brasileira. Equivale, talvez, a renunciar a um bom hambúrguer (bom hambúrguer?!) por dia. Comparando de modo grosseiro, mas suficiente para ver o tamanho da encrenca, é como se o estudante brasileiro pagasse mensalidades de menos de 20 dólares, aproximadamente. Perto de 2,5 milhões de brasileiros pagam mensalidades muitas e muitas vezes maiores do que isso, em escolas privadas de qualidade, digamos, bastante variada. A indústria do ensino superior privado, no Brasil, fatura 12 milhões de reais ao ano. A industria editorial, pouco mais de 2 milhões, metade deles, mais ou menos, com material para escola básica. Pouquíssimo com livros de tecnologia e ciência em geral. Por esses números podemos ter uma idéia da qualidade das coisas. Em quais desses países
temos universidades “públicas”? Em quais deles temos acesso mais
democrático à cultura acadêmica? O mundo está
cada vez mais complicado e cada vez mais distante do que ensinavam as cartilhas
da antiga Alemanha Oriental, da Romênia ou da Albânia, outrora
“pátrias” bem policiadas do pensamento progressista. Mas, nós,
em grande medida, ainda não atualizamos nossas lentes. Não,
“atualizar” não é um termo adequado, porque muito do que
precisamos para analisar este mundo novo já foi ensaiado em um escritor
do século XIX, um certo barbudo que tem bem pouco a ver com os três
paises logo acima mencionados, apesar das aparências.
Artigo publicado originalmente no Jornal da Unicamp Núcleo Piratininga de Comunicação — Voltar |