Conselho de Jornalismo: o bem-vestido
falando do esfarrapado
Por Sérgio Domingues,
agosto de 2004
Os que defendem a criação do Conselho Federal de Jornalismo, o fazem denunciando os abusos da grande mídia. Mas apontam o dedo para os trabalhadores da imprensa, não para os patrões. Como tudo que envolve a mídia, o anúncio da criação de um Conselho Federal de Jornalismo está fazendo um grande barulho, principalmente na grande mídia. As reações foram variadas. As mais raivosas foram do Globo, da Folha, Casoy, Jabor e outros etcéteras desprezíveis. Por outro lado, foi destacado o fato de que a criação do tal Conselho é proposta antiga dos jornalistas, em especial da Federação Nacional de Jornalismo (Fenaj). Portanto, não se trataria de resposta autoritária ao que o governo Lula chama de denuncismo, envolvendo seus ministros e assessores. Ao contrário, seria uma medida contra as verdadeiras patifarias que alguns jornalistas (ou não) cometem com a pena digital em riste. Um conselho que regularia o exercício da profissão de forma ética. Inibindo e estudando punições para profissionais que usam seu domínio dos meios de comunicação como arma para caluniar, difamar, omitir e distorcer. Alguns defensores da idéia comparam o órgão aos conselhos de medicina, arquitetura, à OAB. Seriam órgãos reguladores profissionais, sem interferência do governo e de patrões. Argumentam que um jornalista faz o que fez com Ibsen Pinheiro, por exemplo, e nada acontece. Pode se processado e condenado, mas sua habilitação profissional não é cassada, como aconteceria com um médico negligente ou um advogado pilantra. Mas o problema é exatamente este. Uma argumentação assim coloca no centro da discussão os assalariados do setor e não seus patrões. E ainda dão a estes um belo pretexto para saírem esbravejando contra uma suposta volta da censura. Luiz Marinho, presidente da CUT, argumentou que os jornalistas “têm canhões nas mãos” e que “produzem matérias segundo os interesses patronais”. É de se admirar um raciocínio tosco destes por parte de quem preside a maior central sindical do país. Jânio de Freitas, por seu lado, que é contra o Conselho, disse que jornalistas pressionados a escrever contra suas convicções éticas ou contra a verdade dos fatos têm na demissão sua instância de apelação. Desobedecer patrões costuma ser bem desagradável Ora, por que será que muitos jornalistas produzem matérias “segundo os interesses patronais”? A resposta está na pergunta. Porque são patrões a lhes determinar o que fazer. E desobedecer patrões costuma ser bem desagradável. Aí, sobra a saída sugerida por Freitas. Mas é literalmente uma saída, não uma solução. A verdade é que nem mesmo médicos e advogados são profissionais liberais como eram no início do século passado. Muito menos, jornalistas. Em casos assim é possível pensar em regras de conduta, recomendações éticas, etc. Mas, o aspecto principal é o de que um jornalista é um assalariado. E, como tal, está em desvantagem como qualquer outro em relação aos donos dos meios de produção. Luiz Marinho em sua infeliz declaração acabou lembrando um exemplo clássico. Trabalhadores de fábricas de canhão devem ser condenados por produzi-los? Claro que não! Podem ocorrer casos graves de manipulação de jornalistas que justifiquem a adoção de medidas severas? Podem. Mas, as investigações sobre tais condutas devem, em primeiríssimo lugar, eleger os patrões como alvo, e não os trabalhadores. No caso da reportagem que deu informações erradas sobre o ex-deputado Ibsen Pinheiro, por exemplo, quem virou alvo, com toda razão, foi apenas o repórter Luís Costa Pinto. Para as revistas “Veja” e “Isto é” dificilmente vai sobrar chumbo. No máximo, receberão um tapinha nas costas e uma doce advertência de que é preciso evitar empregar jornalistas sem escrúpulos. Pobres patrões. Não podemos, também, deixar de lado o fato de que a vítima em questão era um deputado federal. O que dizer das humilhações que pessoas pobres sofrem diariamente nos programas policiais de tv? Gente cuja casa é invadida por policiais e câmeras, apontadas e julgadas como criminosas, ao vivo e a cores? Por outro lado, temos que entender em que situação a proposta de um conselho de jornalismo foi apresentada. O governo Lula não dá ponto sem nó. A decisão de expulsar o jornalista americano foi uma idiotice. Mas nada tinha da bravata que Lula disse ter feito na oposição e poderia estar repetindo na situação. O rastejante jornalista do NY Times deveria ter sido desmoralizado em todas as instâncias e formas da lei e da política. Mas, o poder dá nova energia para as mãos de quem tem um cassetete moderno por perto e nenhum compromisso com os de baixo para deter peso do braço. Trata-se de uma disposição autoritária que já vinha sendo cultivada há anos dentro do campo dirigente petista-cutista. Quem teve as costas castigadas por esse esquema de poder sabe bem disso. Nada justifica dizer que a medida é contra os monopólios da mídia As argumentações de que o conselho está sendo criado porque a grande mídia abusa, faz e acontece são ridículas vindas de um governo que abusa, faz e acontece para manter a grande mídia a seu favor. Não é nada disso. O conselho vem, sim, a calhar num momento em que todos os fatos mostram que o atual governo usa de todos os meios sacramentados pela classe dominante brasileira para se manter no poder. Não há qualquer fato concreto que justifique dizer que o conselho proposto seja um freio ao monopólio dos meios de comunicação. Ao contrário, estão em andamento acelerado as medidas para ajudar financeiramente os tubarões da mídia. É a já habitual habilidade do governo Lula em transformar o que defendia no seu contrário. E vice-versa. Diante disso, o que fazer? Cobrar a aprovação de medidas legais para formação de órgãos e instâncias populares, não atreladas ao governo e empresários, por exemplo. Sua primeira e principal missão seria fazer uma grande auditoria das concessões públicas dos meios de comunicação. Estabelecer novas normas de concessão com base na Constituição. Entre elas, regionalizar a programação, dar espaço à produção popular, sindical e política dos de baixo, preservar e divulgar a cultura do povo e exercer papel educativo. E estabelecer prazos de carência para que sejam cumpridas. Não cumpriu, devolvam a concessão. É possível? Sim.
É fácil? Não. Aliás, é muito difícil.
Mas, para que elegemos Lula? Apenas para nos decepcionar com ele? Não.
Também para tirar lições que nos ajudem a superar
os erros e inventar soluções a partir do nível de
consciência alcançado. Não para nos contentarmos com
órgãos criados para necessidades que já não
nos servem, mas que são importantes para quem tem como projeto ficar
no poder pelo poder, engordando em seus belos ternos italianos.
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