Liberdade de expressão
e liberdade de impressão
Por João Quartim de Moraes, em 4 de maio de 2004
A liberdade de exprimir é boa, mas é manipulada, em escala social, por quem tem o dinheiro para imprimir. Basta, com efeito, dispor de um mínimo de sentido crítico para constatar que o cartel mediático do capital informa como quer e intoxica quando quer, isto é quando os donos querem. A eficácia da intoxicação mediática, como de qualquer outra droga, depende das condições em que é administrada e da resistência que lhe contrapõem os atingidos. Nem os mais firmes e lúcidos militantes democratas, anti-imperialistas e socialistas estão inteiramente imunes à diuturna manipulação dos fatos, antes de mais nada porque os milionários e seus cães de guarda dispõem do monopólio da transmissão em larga escala das "notícias". Mas resistir é preciso e é possível. Um exemplo notável: em 1984, com uma desfaçatez que só esqueceram os de memória curta, o truste audiovisual do senhor Roberto Marinho censurou sistematicamente todas as notícias sobre o extraordinário movimento cívico desencadeado em janeiro daquele ano, para exigir eleições presidenciais diretas já, isto é, em novembro do mesmo ano. Naquele momento, entretanto, a inegável capacidade "global" de manipular a opinião pública mostrou-se inoperante. Após a grandiosa manifestação do dia 10 de abril de 1984 no Rio de Janeiro (cerca de um milhão de pessoas clamando nas ruas pelas "diretas já!"), coube o povo de São Paulo realizou a maior mobilização cívica de sua história. Talvez um milhão e meio de pessoas (as avaliações, nesses casos, variam segundo o ponto de vista político do observador) concentraram-se no Viaduto do Chá e no Vale do Anhangabaú no dia 16 de abril. Revoltados com a acintosa cortina de silêncio que os "comunicadores" a serviço do senhor Roberto Marinho erguiam em torno de um movimento que se estendera por todo o País e ganhara a adesão das forças mais dinâmicas da sociedade e mais decisivas para a instauração da cidadania democrática (a juventude estudantil, o movimento sindical, os intelectuais), os manifestantes proclamavam em coro imenso, muitas vezes reiterado, o fato novo que não estava "pintando na tela" do império global da comunicação: "O povo não é bobo! Abaixo a Rede Globo!" A indignação cívica contra a indústria da mentIra do sr. R. Marinho comprovou, num momento grave e decisivo da vida nacional, que a capacidade de um indivíduo ou de um punhado de indivíduos de decidir, por serem donos de um grande meio de comunicação social, o que vira e o que não vira notícia, encontra seus limites na capacidade de mobilização dos cidadãos. Entretanto, a Rede Globo, que além de tampouco ser boba, é um poço sem fundo de hipocrisia friamente meditada, esperou a poeira assentar. Sabia que as grandes mobilizações cívicas, como as marés, têm seu fluxo e seu refluxo: tudo estaria consumado no dia 25 de abril, quando a Emenda Dante de Oliveira seria votada pelo Congresso. Rejeitada a Emenda, o público ávido por novelas água-com-açúcar faria esquecer o trabalho sujo de desinformação sobre a campanha pelas "diretas já!". Com efeito, menos de um ano depois de haver sido estrondosamente vaiada no Vale do Anhangabaú, a Rede Globo, já perfeitamente identificada com a auto-intitulada Nova República e com o espertalhão que um nefasto concurso de circunstâncias tinha conduzido ao exercício da presidência, podia cacarejar: "o que pinta de novo pinta na tela da Globo". Principalmente quando o novo era politicamente inócuo ou, sobretudo, se servia à plutocracia nacional e imperial. A eficácia dos trustes da intoxicação mediática, como a de quaisquer outros, repousa no controle do mercado consumidor. Disputam público, mas não perdem de vista que só disfrutam plenamente da posição de monopólio na medida em que preservam certa unidade: lobo não come lobo. Por isso, além de estarem constantemente se auto-elogiando, os porta-vozes do grande capital encontram singular satisfação em agarrar e puxar o saco uns dos outros. Exemplo expressivo, já que concerne a figurões pertencentes à alta cúpula da máfia mediática, nos foi oferecido por Joelmir Belting (cuja carreira deslanchou sob a proteção de um padre milagreiro de Tambaú, para culminar na confortável posição de mais bem pago conselheiro Acácio do jornalismo econômico) em sua coluna de O Estado de São Paulo (11-X-1991). Ali proclama que "a indústria brasileira da comunicação, criativa e obstinada, tem tudo a ver com a consolidação da democracia no Brasil: promoveu a campanha das eleições diretas, mobilizou a opinião pública para a feitura da nova Constituição, despertou a sociedade para a questão ecológica e passa a concentrar baterias na guerra santa contra a ineficiência e a corrupção". Não sabemos se o inegável talento para condensar tantas mentiras numa só frase é dele ou do sr. Roberto Civita, a quem ele atribui senão a letra, ao menos o espírito do auto-elogio, proferido por ocasião de homenagem (lobo só homenageia lobo) recebida em Nova Iorque. O descaramento mais safado, colocar a Rede Globo na vanguarda da "campanha das diretas", é de ambos. Quanto às qualidades jornalísticas do plutocrata do truste Abril, Mino Carta, denunciando contundentemente, em corajosa e incisiva entrevista ao grupo AOL da Internet ("A mídia implorava pela intervenção militar", por Adriana Souza Silva, da Redação AOL, 26/3/2004), aquilo que o tartufo de Tambaú chama "a indústria brasileira da comunicação", comparou-as às do dono da Folha: "entre o Otavio (Frias, dono da Folha) e o Roberto (Civita) é um páreo duro para ver quem é o mais imbecil..." Não apenas o grupo mediático
da "família" Marinho ou de outras "famílias" inequivocamente
de direita, mas também a solertíssima Folha de São
Paulo tem o rabo preso até o cabo à ditadura militar e ao
imperialismo. Mino Carta, um jornalista que honra o ofício, lembrou,
a propósito de colaboração com a ditadura, que a Folha
não se limitou a apoiar o golpe de 1964, mas até emprestou
sua C-14 [carro tipo perua, usado na distribuição do jornal]
para recolher torturados ou pessoas que iriam ser torturadas na Oban [Operação
Bandeirante]". Por prestar pequenos serviços especiais como este,
nunca foi censurada, exercendo sem estorvo a liberdade de impressão...
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