Atingidos por barragens: aconteceu e não virou manchete!
Em março passado ocorreu mais um episódio escandaloso da mídia brasileira. Pra variar, ninguém soube: o referido escândalo diz respeito ao boicote da mídia à livre e democrática manifestação do povo! Neste caso, dos atingidos por barragens. Por Flávia Braga, assessora do MAB, abril de 2004


Vamos à história.

14 de março é o Dia Internacional de Luta Contra Barragens. Todos os anos, o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) organiza uma série de manifestações, protestos, ocupações na semana do 14 de março. É a Jornada Nacional De Luta, semelhante à semana do 17 de abril para o MST. Este ano a jornada foi muito intensa:

15/03: 400 famílias atingidas ocupam a Usina Hidrelétrica (UHE) Tucuruí, no Pará.

16/03:

  • 300 agricultores ocupam o canteiro de obras da UHE Peixe, no Tocantins.
  • 300 atingidos pelas UHEs Itaúba e Dona Francisca fecham a BR 158 na altura da cidade de Júlio de Castilhos, no Rio Grande do Sul.
  • Atingidos pelos mais de 300 projetos de “pequenas” barragens de Minas Gerais acampam na Praça da Asembléia Legislativa de Belo Horizonte.
17/03:
  • 1200 atingidos ocupam a UHE Manso, no Mato Grosso.
  • 1000 atingidos pelas barragens de Machadinho, Barra Grande e Campos Novos fecham o trevo de Curitibanos–Santa Catarina, um dos principais entroncamentos rodoviários do país (BR 116, BR 470 e SC 282)
  • Atingidos pela barragem do Castanhão–Ceará, acampam na altura do Km 274 da BR 116.
  • 1000 famílias atingidas pelas UHEs Cana Brava e Serra da Mesa, em Goiás, fecham a BR 153 (Belém-Brasília) na altura do município de Uruaçu.
  • 500 atingidos pela UHE Estreito fecham por duas horas a BR 153 na divisa entre Tocantins e Maranhão.
  • Atingidos pela UHE Foz do Chapecó e outras barragens do oeste catarinense fecham a SC 282 entre Chapecó e Xanxerê.
18/03: 1000 atingidos pelas barragens de Machadinho, Barra Grande e Campos Novos ocupam a Sub-estação de Campos Novos. A unidade é parte do sistema integrado e responsável pela distribuição de energia para a região metropolitana de Porto Alegre e para o meio-oeste catarinense. Os atingidos ocuparam a sala de controle da Sub-estação. 

Mesmo com todos estes atos, mesmo com todo este povo mobilizado nenhuma linha sequer foi noticiada pela Rede Globo, pelo Jornal O Globo, pelo Jornal do Brasil, pela Folha de São Paulo nem por tantos outros grandes veículos da imprensa nacional.

Algumas perguntas precisam ser respondidas.

Por que este boicote? A quais interesses de classe atende? Por que esconder a mobilização de milhares de pessoas por uma semana em todo o País? A quem interessa que não se saiba que o MAB existe?

A indústria de barragens (pública e privada) no Brasil e no mundo é comparável à indústria de petróleo e, obviamente, a crítica aos seus interesses e à reputação da “energia limpa” não podem ser divulgadas. Além disso, no Brasil, o setor elétrico sempre teve seu braço ditatorial bastante aguçado. Algumas das maiores barragens do mundo foram construídas no Brasil durante a Ditadura Militar e boa parte de nossa dívida externa se deve aos juros dos empréstimos alucinados que a milicada tomou na banca internacional para a construção destas obras faraônicas.

Sem entrar no mérito das críticas ambientais e sociais a este tipo de empreendimento e continuando a discussão sobre o autoritarismo midiático deixamos apenas mais algumas questões para que o leitor tire suas próprias conclusões.

Um outro aspecto que quero destacar é a relação do governo Lula com as lutas dos atingidos por barragens. No ano passado, começando o governo Lula, o MAB apresentou uma pauta de negociações ao Ministério de Minas e Energia cobrando a dívida social do Setor Elétrico para com as comunidades atingidas e ameaçadas por barragens. Depois de meses de enrolação, a única atitude do governo foi criar um grupo inter-ministerial para discutir o assunto.

Deste grupo fazem parte doze ministérios, dentre eles o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. O que diabos tem este organismo a ver com pequenos agricultores, indígenas e quilombolas empobrecidos por anos de descaso do poder público que apenas pedem a garantia de justa compensação das perdas sofridas com o desclocamento compulsório promovido pelo Estado?

A ditadura militar considerava as barragens como questão de segurança nacional, de polícia, de forças armadas. O governo Lula também. Resquícios da ditadura? Resquícios que a velha imprensa da ditadura faz questão de abafar?