Imprensa alternativa quer verbas
publicitárias
Por Edson Sardinha,
para o Comunique-se,
27 de abril de 2004
Às vésperas
de anunciar as bases do socorro financeiro para a mídia, o governo
recebe pressão por parte da chamada imprensa alternativa, que cobra
uma fatia do bolo publicitário. Revistas e jornais ligados ao movimento
social, sindical e partidário, rádios e TVs comunitárias
se organizam para levar até o Congresso Nacional um abaixo-assinado
no qual reivindicam a democratização das verbas públicas
para os meios de comunicação.
Além de marcar posição
contrária ao chamado Pró-Mídia, conduzido pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o movimento
propõe a criação de um Sistema de Comunicação
Alternativo, nos moldes daquilo que é adotado na Venezuela, na Suécia
e no Canadá.
Apesar de sua influência
na derrocada da ditadura e na ascensão política de figuras
hoje instaladas no poder, como o próprio presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, a imprensa alternativa se ressente da falta de verbas e
da perda de espaço desde a redemocratização do país.
Pluralidade
Os coordenadores do movimento
alegam que a intenção é garantir “a pluralidade da
informação e o direito das diferenças se verem representadas
no noticiário do dia-a-dia”. Entre as propostas, está a constituição
de um fundo especial de recursos publicitários para a imprensa alternativa,
apontada como instrumento indispensável para o funcionamento da
democracia.
Em circulação
pela Internet (leia
aqui) há quase um mês, o manifesto questiona o conceito
de neutralidade propagado pela grande imprensa e a condescendência
do poder público com a má gerência administrativa dos
veículos de comunicação.
“Os conglomerados midiáticos
que cresceram e engordaram, cúmplices das ditaduras e amparados
pela censura que destruiu concorrentes e adversários, agora posam
de democráticos e, o que é pior, gozam de um poder como nunca
antes. Principalmente, ninguém põe em discussão o
que escrevem ou dizem”, assinala um dos trechos.
Em entrevista ao Comunique-se,
um dos coordenadores do movimento, o jornalista Mário Augusto Jakobskind,
defende critérios para a distribuição da verba publicitária,
acusa a grande mídia de ser preconceituosa com os movimentos sociais
e critica a relação do governo Lula com a imprensa.
Autor de oito livros e profissional
com passagem por veículos tradicionais, como Folha de S. Paulo e
Tribuna da Imprensa, Jakobskind é colaborador de quase uma dezena
de veículos alternativos no Brasil e no Uruguai. Nos anos 70, foi
colaborador de O Pasquim e integrou o conselho editorial do jornal alternativo
Versus, a primeira publicação com enfoque latino-americano
editada no país. Segundo Jakobskind, o fortalecimento da imprensa
alternativa vai aquecer o mercado de trabalho no meio jornalístico.
Veja os principais trechos da
entrevista concedida por e-mail:
Perda de espaço
"A resposta não é
tão difícil de dar. Os mais apressados dirão que é
pelo fato de a imprensa noticiar tudo, o que não acontecia naquele
período. Não é verdade, a grande mídia hoje
não tem essa característica. Ela tem as suas preferências
e prioridades. De um modo geral, sobretudo a mídia eletrônica,
criminaliza o movimento social, criando preconceitos e estereótipos."
Tratamento igualitário
"A imprensa alternativa precisa
ter o mesmo tratamento que os grandes meios de comunicação,
como, por exemplo, ter acesso a verbas publicitárias públicas
sem restrições. Sem recursos, fatalmente ficará restrita
a um pequeno público, sem condição de criar meios
capazes de estabelecer um canal de comunicação diária,
um mínimo necessário nos tempos atuais. É preciso,
portanto, que a sociedade se organize e pressione no sentido de que a balança
da mídia não fique desequilibrada em favor de apenas poucos
veículos, como acontece hoje. Pode-se discutir, por exemplo, a criação
de um fundo especial de recursos advindos da publicidade para contemplar
a imprensa alternativa."
Pró-Mídia
"Nós não temos
preconceitos contra a grande mídia, queremos que a imprensa alternativa
não tenha tratamento diferenciado. Aliás, ela deve ser promovida
pelo Estado democrático, já que foi um dos fatores fundamentais
para a conquista da democracia. No caso da chamada Pró-Mídia
não tem absolutamente sentido que o poder público contemple
um setor naturalmente privilegiado com verbas para sanar deficiências
resultantes da má gerência administrativa ou falha de previsões.
Ser empresário sem correr riscos, sabendo que na hora 'h' vem o
Estado para neutralizar a sua incompetência, é fácil."
Governo Lula e Comunicação
"O atual governo está
repetindo práticas tradicionais de anteriores gestões, práticas
essas que favorecem apenas o conservadorismo, o mesmo setor que nos últimos
anos tem defendido o enfraquecimento do Estado. Ou seja, defendem um Estado
mínimo, mas ao mesmo tempo querem que o mesmo Estado venha em seu
socorro nos momentos de dificuldades."
Sistema de Comunicação
Alternativo
"A forma prática de
constituição de um Sistema de Comunicação Alternativo
está em discussão. Primeiramente, é necessário
o cumprimento de algumas exigências mínimas. O governo sueco,
por exemplo, fornece subsídios a toda a imprensa, do movimento social
às entidades associativas e à mídia de um modo geral.
Mas, vale assinalar, isso só acontece depois da comprovação,
muito bem comprovada, desde o número de assinaturas e de leitores,
até a venda propriamente dita e a abertura de suas contas."
Critérios para distribuição
dos recursos
"Um critério adequado
poderia ser o de conceder recursos aos movimentos sociais ou conglomerados
de entidades representativas capazes de apresentar o número oficial
de seus filiados, isto é, o seu público-alvo preferencial
e assim sucessivamente. Outro ponto talvez ainda mais relevante é
o concernente às contas da publicação. Ou seja, um
sistema de audiência pública verificaria a contabilidade das
empresas que aspirariam os recursos públicos. Entendemos ser essa
questão tão importante que deveria ser estendida para toda
a mídia, seja ela pequena, média ou grande."
Geração de
empregos
"Uma imprensa alternativa forte
também gera empregos. E o atual governo ao tomar posse prometeu
criar 10 milhões de empregos. Não é que só
com a imprensa alternativa se criarão 10 milhões de empregos,
mas o fortalecimento desse setor poderá modificar o quadro, segundo
a Fenaj, de 17 mil jornalistas fora do mercado de trabalho. Uma empresa
jornalística necessita também de outros profissionais para
cuidar da administração e finanças. Um jornal, rádio
ou TV sem isso não sobrevive."
Espaço para a imprensa
alternativa
"Neste país continente
há espaço para todos, do Oiapoque ao Chuí. É
uma questão de vontade política e de organização.
Para se conseguir isso é preciso que a sociedade se organize nesse
sentido. Vamos chegar lá! O que não queremos mais é
que os que não têm vez e voz permaneçam eternamente
num gueto. Isso é a antítese da democracia, que no fundo
é um produto do neoliberalismo."
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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