Os motivos da crise da mídia
Por Guastavo Gindre, 17 de março de 2004 Segundo a legislação brasileira em vigor até 2002, os veículos de comunicação (TVs abertas, emissoras de rádio e jornais) não poderiam pertencer a empresas de capital aberto, mas apenas à pessoas físicas e, no caso de rádios e TVs, exclusivamente aos donos das outorgas de concessão. Essa regra fez com que as empresas tivessem administrações familiares que, em muitos casos, significaram modos de gestão arcaicos, desperdícios de recursos materiais e humanos, nomeações sem mérito, etc. Desde a ditadura militar, foi implementado no Brasil um modelo de rede verticalizada (primeiro de TV, depois de rádio), que fazia com que quase todo o conteúdo fosse produzido no eixo Rio-São Paulo. As demais outorgas eram distribuídas para as oligarquias políticas locais, que se associavam às redes nacionais e cujo único interesse era a manutenção de seu poder político. A administração das rádios e TVs nunca foi uma prioridade desses grupos. Acreditando na equivalência perene entre o dólar e o real, muitas empresas de comunicação tomaram empréstimos externos, na moeda norte-americana, e agora vêem suas dívidas triplicarem. Segundo um estudo que os grupos de mídia entregaram ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), 80% do total das dívidas está indexada em dólares e 83,5% é de curto prazo. Com o discurso da "convergência tecnológica", os grandes grupos de mídia passaram a fazer investimentos em vários outros campos da comunicação. A Folha de São Paulo criou o UOL, em parceria com a Abril e agora com a Portugal Telecom. O Estado de São Paulo investiu na BCP, de telefonia celular, assim como a RBS se associou à Telefônica de Espanha. A Abril investiu em provedor de acesso, portais temáticos, canais de televisão paga, etc. Mas, foi a Globo que mais diversificou seu cardápio de empreendimentos, indo da eletrônica (NEC) à transmissão de dados (Vicom), passando por pager, TV a cabo e Internet. Muitos destes negócios não se tornaram lucrativos e tiveram que ser vendidos por valores que não recuperaram nem mesmo o que foi investido. Mas, até as empresas que não contraíram dívidas significativas não têm receita para fazer frente aos desafios dos próximos anos, especialmente à chegada do rádio e da TV digitais (o que vai obrigar a altíssimos investimentos nos estúdios e na área de transmissão). Mesmo em anos onde apresenta algum crescimento (como 2003), o mercado publicitário brasileiro não tem demonstrado, desde a década de 90, o vigor que apresentava em outros momentos. O que significa, proporcionalmente, menos recursos para as empresas de comunicação. Repórter da Folha revela tamanho do rombo A repórter da Folha de São Paulo, Elvira Lobato, especializada na cobertura sobre as comunicações, revela, em reportagem para a Folha de São Paulo, o tamanho da crise que se instalou na mídia brasileira. Segundo Lobato, as empresas de comunicação, somadas, devem cerca de R$ 10 bilhões, dos quais 60% são dívidas da Globo. O montante investido em publicidade caiu de R$ 9,8 bilhões, em 2000, para R$ 9,6 bilhões em 2002 (em valores sem correção). No mesmo período a circulação de revistas recuou de 17,1 para 16,2 milhões de exemplares e a de jornais caiu ainda mais, de 7,9 para 7 milhões. Em 2002 as empresas de comunicação acumularam R$ 7 bilhões em prejuízos, sendo R$ 5 bilhões apenas pela GloboPar. Novamente em comparação com 2000, a receita liquida foi 20% menor (descontada a inflação). Mas, mais uma vez, quem pagou a fatia principal desta crise foram os trabalhadores. Segundo dados do Ministério do Trabalho, entre 2000 e 2002, as empresas de comunicação demitiram 17 mil pessoas. A reportagem contém, ainda, depoimentos dos principais empresários da mídia brasileria. A equipe do INDECS/Prometheus tem cópia eletrônica da reportagem para os interessados. A situação particular da Globo O ano de 2002 vai entrar para a história do maior grupo brasileiro de mídia. Depois de muitos anos fazendo lobby contra a entrada do capital estrangeiro nos meios de comunicação, a direção da Globo passou a defender a emenda constitucional que permitiu que 30% das ações de TVs abertas, rádios e jornais fossem vendidas para grupos estrangeiros e, ainda, que estes veículos pudessem se transformar em sociedades anônimas. Era o reconhecimento da crise financeira em que a Globo se envolveu e, também, a busca por uma saída: associar-se ao capital estrangeiro, desde que este não tomasse o controle das mãos da família Marinho. Ao mesmo tempo circulavam no mercado boatos de que outros grupos de mídia já estavam se preparando para fazer os chamados "contratos de gaveta", onde o controle das empresas seria vendido de fato, mas não de direito. Mas, os recursos estrangeiros não vieram como se esperava. Até o momento não se sabe de nenhuma negociação em trânsito para a venda de 30% de uma empresa de mídia ao capital estrangeiro. A própria Globo ainda não esboçou qualquer movimento para reunir suas rádios, TVs abertas e jornais na holding GloboPar (sociedade anônima que reúne os demais investimentos da Globo - http://globopar.globo.com), permanecendo sob a gestão exclusiva da família Marinho. As maiores dívidas dos Marinho estão na GloboPar, especialmente no setor de TV a cabo. Especula-se que o montante esteja em torno de US$ 1,9 bilhão (US$ 1, 345 bilhão segundo o balanço do primeiro semestre de 2003, apenas da GloboPar). Mesmo lucrativa a TV Globo também é afetada pela crise já que a Vênus Prateada é fiadora de parte destes empréstimos. Desde o dia 28 de outubro de 2002 a Globo entrou em processo de default, ou seja, não paga suas dívidas e tenta renegociar novos prazos, condições e garantias. Mas, até o momento não houve nenhum acordo com seus credores, que começam a aumentar a pressão contra a família Marinho. No dia 11 de dezembro de 2003, três fundos de investimentos ligados ao mesmo grupo gestor (Huff) pediram, nos Estados Unidos, a falência da GloboPar, baseada no capítulo 11 da Lei de Falências e no fato da GloboPar ter negociado papéis de sua dívida naquele país. O Huff, que integra o Comitê de Credores da GloboPar, é um dos chamados "fundos abutres", que vivem da compra e negociação dos papéis de empresas altamente endividadas. O pedido de falência foi negado pela justiça norte-americana. A negociação com os credores se arrasta por mais de um ano e até o momento não existe nem sinal de um acordo. Justamente por isso, começa a se alastrar a impressão de que as empresas da família Marinho não teriam como arcar sozinhas com o montante das dívidas que contraíram. Por isso, teriam que recorrer a empréstimos do BNDES. Para entender: empresas de telecomunicações, de softwares, produtoras, distribuidoras e exibidoras de cinema, provedores de acesso a Internet, gravadoras fonográficas, editoras, TVs por assinatura via satélite e programadoras de conteúdo para TV paga não tem qualquer restrição quanto ao capital estrangeiro. Empresas de TV a cabo só podem ter 49% de capital estrangeiro, mas proposta do senador Ney Suassuna (PMDB-PB) visa alterar este limite para 100%. TVs abertas, rádios e jornais só podem vender 30% de suas ações para grupos internacionais. Mas, nada impede que um único grupo de mídia internacional compre 30%, por exemplo, da Globo, do SBT e da Record. O que dizem os credores O processo sobre o pedido de falência da GloboPar, solicitada pelo grupo de investimentos Huff, revelou dois documentos enviados pelos credores à família Marinho, que demonstram o nível de insatisfação com a forma como a Globo tem conduzido as negociações. Os fatos foram revelados, no Brasil, pelo boletim PayTV News (www.paytv.com.br). Segundo os documentos, a Globo teria enviado aos credores, em dezembro de 2003, uma proposta de renegociação das dívidas, redigida em apenas uma página de papel, e que foi considerada insatisfatória. Os credores pedem que as emissoras de TV aberta, de rádio e os jornais sejam reunidos à holding GloboPar ("newly combined TV Globo entity"), que estes credores possam ter participação na nova empresa e que sejam feitos aportes de capitais por parte dos novos e antigos sócios. Os documentos também reclamam que não há maiores informações sobre os planos da Globo para os próximos anos e que também não haveria maior detalhamento sobre o que a Globo pretende fazer com a sua participação na NET e na Sky. Por fim, os credores pedem que sejam adotadas práticas de governança corporativa e que sejam superados os aspectos familiares da gestão da Globo. Globo tenta se aliar a formadores de opinião Em busca de apoio para seu pedido de empréstimos ao governo federal, a Globo iniciou uma ofensiva para reverter sua imagem. Estudos encomendados pela TV Globo revelam que, mesmo entre aqueles que assistem seus programas, boa parte da população não nutre uma imagem positiva sobre as empresas da família Marinho. Assim, foram várias iniciativas nos últimos tempos. O diretor Guel Arraes e o antropólogo Hermano Viana coordenam o projeto "Brasil Total" que visa fazer parcerias entre a Globo e suas afiliadas e produzir conteúdo a ser veiculado em rede nacional. O controle de (e a própria definição do que seria a) qualidade fica a cargo da matriz. Este projeto visa dar uma resposta às críticas de que a Globo produz todo o seu conteúdo no eixo Rio-São Paulo e nega a cultura do resto do país. No principal jornal da rede, Jornal Nacional, foram veiculadas várias reportagens ao longo de uma semana mostrando como a emissora representa parte do que há de melhor na cultura nacional. Nas matérias, foram usadas diversas figuras públicas de atores e atrizes assalariados da emissora que emprestaram seu prestígio em depoimentos gravados. O mesmo ocorre agora com a veiculação de inserções publicitárias que envolvem, inclusive, o apoio do presidente da Câmara dos Deputados (João Paulo Cunha) e do vice-presidente do Senado (Paulo Paim), ambos correligionários do presidente da República. A Globo também co-patrocinou o evento "Conteúdo Brasil - Seminário de Valorização da Produção Cultural Brasileira", na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Na audiência estavam diversos contratados da emissora (entre outros Antônio Fagundes, Marcos Nanini, Marieta Severo, Nelson Motta, William Bonner e Renato Machado) para ouvir o escritor Ariano Suassuna, na palestra inaugural, falar sobre a importância da cultura popular. Globo promove almoço com cineastas Um almoço promovido pela Rede Globo está esquentando o debate entre os trabalhadores na indústria cinematográfica brasileira. A Globo encarregou o cineasta Roberto Farias (seu sócio no Canal Brasil, membro do Conselho Superior de Cinema e pai do diretor Maurício Farias, de "A Grande Família") de organizar uma lista de convidados para um almoço no Projac, seguido de algumas reuniões, nos dias 5 e 6 de fevereiro de 2004. Quem não morasse na cidade do Rio de Janeiro teria garantido passagem e hospedagem. Foram, ao todo, 45 diretores e produtores de cinema. Entre eles muitos diretores de entidades de classe. Mas, o convite deixou claro que estavam sendo convidados apenas como pessoas físicas e que não falariam em nome de suas instituições. Todos puderam, antes do almoço, fazer uma visita guiada pelo Projac (os estúdios da Rede Globo). Pela Globo estiveram presentes Marluce Dias (CEO da emissora), Luiz Erlanger (diretor da Central Globo de Comunicação), Carlos Eduardo Rodrigues (da Globo Filmes) e Mônica Lucia (projetos de regionalização). O evento constou de uma apresentação dos participantes, de longa exposição de Marluce Dias e de uma intervenção de cada convidado. Segundo Marluce, a Globo fez uma opção, "de amor ao país e idealismo", pelo conteúdo nacional e a emissora estaria disposta "a investir na auto-estima do povo brasileiro". Diante de uma platéia de diretores e produtores de cinema, Marluce Dias indicou o diretor da Globo Filmes, Carlos Eduardo Rodrigues, como responsável por receber e encaminhar propostas de produções cinematográficas na forma de parcerias, desde que aprovadas por Daniel Filho, da Globo Filmes. A CEO da Globo declarou-se contra qualquer tipo de obrigação de exibição de conteúdo nacional nas TVs e disse achar que isso seria uma indevida intromissão do Estado. Mas, defendeu o incentivo fiscal para que as TVs possam produzir seu próprio conteúdo, inclusive novelas (emissoras de rádio e TV já são legalmente isentas do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços - ICMS). Ao final, Marluce se disse aberta para novos encontros e mesmo conversas individuais. A equipe do INDECS/Prometheus tem cópia eletrônica de artigo de Paulo Boccato, para a revista Tela Viva, que discute o sistema audiovisual francês e suas formas de financiamento. Por conta da discrepância na comparação com o modelo brasileiro pode ser um interessante instrumento de debate. Haverá mesmo uma opção nacional? O argumento que a Globo tem usado é o da defesa do conteúdo nacional e de que a emissora seria a grande representante deste conteúdo. Por isso, o apoio à Globo (sem contrapartidas) seria uma ação de defesa da cultura brasileira. A equipe do Prometheus resolveu problematizar esta afirmação a fim de ajudar no debate. A Rede Globo nasceu de uma relação ilegal com a empresa Time-Life, a partir da benção do governo norte-americano. Até então, Roberto Marinho era dono, apenas, de um jornal e de uma rádio AM. Tudo isso está documentado no livro "História Secreta da Rede Globo" (escrito pelo jornalista Daniel Herz e publicado pela Editora Ortiz). Exceto pelas novelas e eventuais mini-séries, sua programação dramatúrgica é preponderantemente norte-americana. Poucos filmes nacionais são exibidos na TV brasileira, ao contrário de diversos outros países onde essa relação é definida em lei. Na introdução da TV digital via satélite (banda Ku) a Globo se associou à Rupert Murdoch, dono da Sky e da Fox. Na NET, a Globo é sócia de Bill Gates, da Microsoft. A maior porta de entrada da cinematografia norte-americana nas TVs brasileiras é a associação da Globo nos canais Telecine (com os estúdios Universal, Paramount, MGM, Fox e Dreamworks) e USA (com a General Eletric). Para criar o portal Globo.com a empresa se associou à Itália Telecom. A Itália Telecom também foi associada da Globo no serviço de pager Teletrim. Bem como a Victori International na empresa de transmissão de dados Vicom. A Telefônica de Espanha é proprietária da Endemol e, portanto, sócia da Globo nos programas No Limite, Big Brother e Fama. Na sua gráfica, a Globo é associada à multinacional R. R. Donnelley. Quando a Globo investiu no setor eletrônico, procurou parceria com os japoneses da NEC. O que as empresas de comunicação não querem (as contrapartidas para o empréstimo) Os veículos de comunicação estão solicitando vultosos empréstimos do BNDES, com juros inferior aos praticados pelo sistema financeiro e com prazos de pagamento dilatados. Estes recursos têm origem nos cofres públicos. As rádios e TVs exploram outorgas de concessões públicas que pertencem, em última instância, a toda a população brasileira. Por estes dois motivos, diversos movimentos sociais começam a questionar que tipo de contrapartidas estas emissoras estariam dispostas a negociar publicamente em troca destes recursos. Resolvemos listar aqui aqueles que consideramos mais importantes. As emissoras de rádio e TV aberta no Brasil são reguladas pela parte não revogada do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962 (que foi alterado pela ditadura militar em 1967), e por um cipoal de leis, decretos, portarias e normas que muitas vezes se contradizem. O governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) prometeu a edição de uma Lei Geral de Comunicação Social Eletrônica, mas até o momento não existe uma proposta oficial. A maior oposição a essa lei parte da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, controlada por parlamentares ligados às grandes redes de comunicação. Não estaria na hora de se fazer este debate publicamente? Nesta nova legislação, por exemplo, seria necessário rediscutir os critérios para liberação de concessões de rádio e TV e suas respectivas renovações pelo Congresso Nacional. E, ainda, estabelecer limites para a concentração da propriedade nas mãos de um único grupo empresarial. As TVs e rádios não estão dispostas a aceitar nenhum tipo de obrigação de produzir mais conteúdo nacional (a chamada cota de tela), seja em dramaturgia seja em jornalismo. Quase 100% da produção audiovisual brasileira é feita no eixo Rio-São Paulo, mas os grupos de mídia também não aceitam nenhuma proposta de regionalização da produção cultural. Projeto neste sentido, da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), tramitou 11 anos na Câmara dos Deputados e agora se encontra no Senado Federal onde é alvo de críticas das emissoras de TV e rádio. Nos Estados Unidos, duas regulamentações (Financial Interest and Syndication Rules e Prime Time Access Rule) definem que as emissoras são obrigadas a comprar percentuais do conteúdo, por elas veiculado, em empresas independentes. No Brasil, a Globo, por exemplo, produz ou co-produz 100% de seu conteúdo nacional. A concentração na área de mídia não é alvo das deliberações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), ao contrário de diversos outros setores da economia. Nenhuma empresa de mídia cumpre as modernas normas de governança corporativa. A Secretaria de Comunicação (SECOM) da Presidência da República centraliza as maiores contas de publicidade do país, envolvendo estatais e ministérios. Atualmente não existem critérios de utilização destes recursos e não se sabe se há uma relação direta entre a audiência obtida e os montantes investidos pelo governo em cada emissora. Tampouco existem mecanismos para investimento em mídias alternativas e comunitárias. Não se sabe quantas empresas que agora solicitam recursos do BNDES têm dívidas com a União (INSS, Cofins, PIS) e trabalhistas e praticam elisão fiscal. Por exemplo, dois livros ("Afundação Roberto Marinho I" e "Afundação Roberto Marinho II – uma biografia de corrupção", de Romero da Costa Machado, ex-auditor fiscal da empresa, da Editora Meus Caros Amigos) comentam supostas práticas de lavagem de dinheiro e isenções indevidas, entre outros atos ilícitos. Há anos tramita no Congresso Nacional a proposta de criação obrigatória de serviços de ombudsman em cada emissora de rádio e TV e nos jornais. Concessões de rádio e TV são usadas livremente para proselitismo religioso, ferindo o que dispõem a Constituição Federal. Quando criou a Agência Nacional de Cinema (ANCINE), o governo de FHC acenava com a possibilidade de criar, no seu lugar, a Agência Nacional do Audiovisual (ANCINAV), que passaria a regulamentar conjuntamente o cinema e a TV, promovendo a união dos dois setores (uma antiga reivindicação das entidades ligadas ao cinema nacional). O governo Lula também promete transformar a ANCINE em ANCINAV, mas a proposta sofre grande oposição das emissoras de TV. CCS revela posição da mídia nacional O Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão consultivo auxiliar ao Senado Federal, realizou, no dia 2 de março de 2003, reunião de sua Comissão de Regionalização e Qualidade da Programação para discutir o Projeto de Lei da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que trata da regionalização da produção dramatúrgica e jornalística e da produção independente. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora tramita no Senado. Estiveram presentes vários representantes dos grandes grupos nacionais de mídia. O conselheiro Roberto Wagner Monteiro (diretor da Record) e o palestrante convidado Evandro Guimarães (vice-presidente de Relações Institucionais das Organizações Globo) defenderam que o conceito de regionalização da produção (ao obrigar as empresas a contratarem conteúdo e mão-de-obra local) é inconstitucional. Segundo Guimarães, o projeto não trará os benefícios esperados. A íntegra dos debates está disponível, em arquivo PDF, no endereço www.senado.gov.br/web/comissoes/ccs/documentos/ProjRegProg.pdf ABERT racha na negociação com o governo A Rede Record se retirou da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (ABERT) e renunciou à sua vice-presidência. A RedeTV estuda tomar o mesmo caminho. O motivo de ambas é a discordância com a proposta da ABERT de solicitar recursos do BNDES para que as empresas de comunicação possam saldar até 50% do total de suas dívidas. Ou seja, cerca de R$ 5 bilhões. Record, RedeTV e SBT (que abandonara a ABERT anteriormente) defendem que os recursos do BNDES devam ser empregados, apenas, para custear novos investimentos em produção de conteúdos e novas tecnologias. A posição da ABERT e das emissoras dissidentes já foram levadas, pelos seus respectivos representantes, ao presidente do BNDES, Carlos Lessa. Segundo informações não oficiais, o estudo apresentado pela ABERT foi considerado insatisfatório pelos técnicos do BNDES. Mas, a disputa parece não ter terminado. A Record tem feito diversas inserções, em seus programas, com comentários bastante críticos sobre a Rede Globo, inclusive com trechos do vídeo inglês "Além do Cidadão Kane" (que mostra Roberto Marinho como uma figura pública com mais poder do que o personagem Charles Foster Kane, do famoso filme de Orson Wells). Como a Bandeirantes também já não integrava os quadros da ABERT, a associação é agora a porta-voz quase exclusiva das Organizações Globo. A posição do governo Lula O governo Lula ainda não emitiu nenhum sinal claro a respeito da posição que pretende tomar em relação ao pedido de socorro das empresas de comunicação. Oficialmente as duas propostas divergentes apresentadas pelos empresários foram encaminhadas ao presidente do BNDES, Carlos Lessa, e os grupos de mídia estão à espera de uma resposta. Contudo, em Brasília todos sabem que os lobbies já estão se movimentando velozmente e que diversos contatos não oficiais foram feitos entre os empresários e o governo. O presidente do BNDES já deu várias declarações a favor de que o assunto seja discutido pelo Congresso Nacional, com o que as emissoras não concordam. A ida do debate para o Congresso Nacional envolverá parlamentares de diversas legendas, discussões em comissões temáticas e a contribuição, formal e informal, de entidades da sociedade civil organizada. O debate demandará tempo e a necessidade de se ouvir todos os interessados. Enfim, dará mais publicidade ao tema. Nota da jornalista Fernanda Galvão, de IstoÉ Dinheiro, informa que o governo só estaria disposto a destinar R$ 1 bilhão para o equacionamento das dívidas, sendo que, no máximo, R$ 250 milhões para cada grupo empresarial. A proposta não chega nem perto de resolver o problema das Organizações Globo e, por isso, o governo estudaria remeter o tema para a apreciação da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Seria uma forma de dividir com o Congresso Nacional o ônus da decisão. Mas, também é certo que o governo não se encontra em posição muito vantajosa para fazer esta negociação. Este é um ano eleitoral e o tratamento que a mídia conceder ao governo federal será decisivo para a disputa nas principais capitais. De outro lado, diversos parlamentares são candidatos ou tem interesses regionais em jogo e não vão querer tomar uma posição que possa ser vista como antipática pelos donos dos maiores meios de comunicação. Some-se a isto a crise instaurada a partir da denúncia da revista Época (das Organizações Globo) sobre as relações entre o assessor da Casa Civil, Waldomiro Diniz, e a máfia do jogo. A cobertura da mídia, a insistência no pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e a divulgação de outros fatos que envolvam novos personagens pode ser crucial para aumentar a pressão contra o governo. E um governo frágil não
é um bom negociador do interesse público.
Gustavo Gindre (gindre@indecs.org.br) |