"Crise da mídia": Fórum,
BNDES e imprensa debatem no Senado
Do FNDC, 13 de maio
de 2004
Em audiência pública
na Comissão de Educação do Senado realizada na quarta-feira,
dia 5, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
(FNDC) voltou a sustentar a importância estratégica de uma
negociação pública, com critérios transparentes,
antes que o Estado simplesmente injete recursos públicos nas empresas
de comunicação sem definir contrapartidas objetivas para
a sociedade. Coordenador-geral do FNDC sugeriu aos senadores que remetam
a discussão política, a princípio recusada pelo governo
federal, para o Conselho de Comunicação Social.
Foi realizada na manhã
da quarta-feira, dia 5/5, no Senado Federal, uma segunda audiência
pública para, conforme o requerimento, "discutir sobre a disposição
do Governo Federal, por intermédio do BNDES, em criar uma linha
de financiamento de socorro às empresas do setor de comunicação".
Estiveram presentes o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES), Carlos Lessa, o coordenador-geral do Fórum Nacional
pela Democratização da Comunicação (FNDC),
Celso Schröder, o diretor de Redação da revista Carta
Capital, Mino Carta, o diretor de Assuntos Jurídicos da Associação
Nacional dos Jornais (ANJ), Paulo Tonet Camargo, e o vice-presidente executivo
do Jornal do Brasil, Paulo Marinho. Por mais de três horas, os senadores
debateram questões que foram além de um diagnóstico
do setor de imprensa.
Logo de início, o presidente
da Comissão, senador Osmar Dias (PDT-PR), criticou o fato de a Rede
Record ter abordado o tema em um programa de TV levado ao ar no mês
passado, logo após a primeira audiência pública sobre
o assunto realizada pelo Senado, informando que a Comissão já
teria aprovado o apoio ao programa do governo. "Esta Comissão não
votou; está debatendo para conhecer o assunto", lembrou o senador,
autor do requerimento, que pessoalmente é contrário à
liberação de recursos para o pagamento de dívidas
das empresas. "Não tenho nada a ver com a briga de concorrência
entre as emissoras de televisão". Dias também lembrou o fato
do BNDES ter entrado na Justiça pedindo direito de resposta.
Apresentando aos senadores
os questionamentos apontados na carta aberta ao Governo Lula (leia
a íntegra), divulgada em dezembro de 2003, Schröder salientou
que o Poder Executivo vem tentando esvaziar o debate político e
onerar o Congresso Nacional ao tentar transferir para o Legislativo uma
questão fundamental que continua sem resposta: existe uma "crise
da mídia"? "Ao eleger o BNDES como único agente público
envolvido no encaminhamento da solução do problema, mesmo
que involuntariamente o governo está contribuindo para anular o
espaço político de discussão de um tema que vai muito
além do simples endividamento de empresas e que poderia apontar
para um projeto nacional na área das comunicações.
Transferida esta atribuição ao Congresso, identificamos no
Conselho de Comunicação Social o órgão apropriado
para promover tal discussão", propôs Schröder.
Tanto Lessa quanto o senador
Hélio Costa (PMDB-MG) sentiram-se incomodados e sustentaram que
o BNDES é o agente legítimo para encaminhar a questão.
O coordenador-geral do Fórum afirmou entender que caso ficasse constatada
a necessidade vital do financiamento que o banco público deveria
ser a ponta final do processo e, não, seu início. Schröder
lembrou que até o controvertido Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro
Nacional (Proer), ao qual o programa de "socorro" da mídia é
normalmente comparado, possuía garantias e diretrizes claras que
buscavam a reestrutruração dos bancos brasileiros, com mecanismos
de controle e fiscalização criados para evitar que "futuros
problemas localizados pudessem afetar todo o sistema, com reflexos na sociedade
brasileira". Na sua opinião, não existiria motivo para a
mesma preocupação ser omitida na questão da mídia.
Carlos Lessa e os dirigentes
das empresas de comunicação preferiram ignorar este apelo
e continuaram debatendo com os senadores apenas se é legítimo
o banco público liberar recursos para o pagamento de dívidas
dos conglomerados de mídia. "Dada a singularidade institucional
do Brasil, em que os direitos do sistema de comunicação terem
sido outorgados a pessoas físicas se constitui numa indústria
de muito mais expressão das individualidades, das personalidades
familiares do que propriamente um setor empresarial com características
minimamente corporativas, isso cria uma dificuldade muito grande para todo
e qualquer banco e muito especialmente para um banco público de
fomento", afirmou o presidente do banco. Para terminar, Lessa defendeu
três pilares para justificar as razões para o apoio estatal
às empresas de comunicação:
-
necessidade de existência
do contraditório, a partir da imprensa para a existência de
democracia;
-
não há sociedade
nacional sem ser produtora e reprodutora de conteúdo;
-
existem, no mínimo, mais
de mil empresas na indústria que devem empregar cerca de 500 mil
pessoas.
Mesmo admitindo que o BNDES
não possui um departamento com cultura técnica sobre o setor
de mídia, o economista buscou razões históricas para
explicar porque até então o banco não financiava empresas
de comunicação. "A indústria de comunicação,
no passado, não apresentava padrões prudenciais mínimos.
Por singularidades da organização política brasileira,
o nosso processo democrático é um processo de aprendizado
lento. Ocorre que a entrega da titularidade da comunicação,
quase se confundindo com a personalidade física do proprietário
da concessão, fazia com que estes personagens tivessem na vida brasileira
um papel, um poder e uma influência muito superior a sua presença
corporativa. Isso leva a colocar uma imensa delicadeza em toda em qualquer
intervenção no segmento. Delicadeza para que não haja
qualquer desvio comportamental pelo gestor público - alguma propensão
a fazer do órgão público um balcão de facilidades,
discricionando-se em relação à A e não A, B
e não B -, expondo-os à politização excessiva
se assim o fizer. Bem como, de outro lado, estabelece-se uma dificuldade
prudencial porque se tiver que se exercer, segundo a lei, todos os procedimentos
de cobrança isso pode ser facilmente conduzido à sugestão
de que se trata de uma operação persecutória. Eu creio
que a democracia brasileira está consolidada e exatamente por isso
eu acho que as inibições do BNDES devem se reduzir a respeito
da indústria da comunicação", sustentou.
Hesitantes, tanto o presidente
do BNDES quanto alguns senadores da base do governo acabaram confirmando
que a instituição deverá criar uma linha de crédito
específica para a reestruturação financeira. Representando
sua revista Carta Capital, Mino Carta foi crítico em relação
a esta opção. Para ele, os recursos deveriam apenas ser destinados
ao desenvolvimento do setor. Carta também defendeu que esta é
uma oportunidade estratégica para a sociedade reorgnizar o setor.
Ao final da audiência, a Comissão de Educação
se dispôs a encaminhar providências para dar continuidade ao
debate mas não antecipou quais seriam.
Fonte: www.fndc.org.br
Núcleo
Piratininga
de Comunicação
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