Espanha: quando a mídia
tenta, mas não convence
Sérgio Domingues, março de 2004 De vez em quando, acontecem instantes de lucidez que mostram que outro mundo é possível. O povo espanhol inverteu a conspiração de conservadores e de grande parte da mídia espanhola. Votou nos socialistas contra o terrorismo e contra a ocupação do Iraque. Em 11 de março passado, atentados terroristas em estações ferroviárias e trens de Madri mataram mais de 200 pessoas e feriram 1.400. Imediatamente, o Partido Popular, do atual primeiro-ministro, José Maria Aznar, começou a manipular os acontecimentos em proveito próprio. É que os atentados aconteceram às vésperas das eleições para o parlamento espanhol, inclusive com troca do primeiro-ministro. As eleições aconteceram ontem, dia 14. O candidato de Aznar era Mariano Rajoy. O candidato de oposição é José Luis Rodríguez Zapatero, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). A campanha eleitoral dos socialistas dava ênfase ao combate ao desemprego, investimentos sociais e prometia retirar do Iraque todos os soldados espanhóis que apóiam as forças do EUA na ocupação do país. A campanha conservadora se gabava dos oitos anos em que esteve no governo, apontando uma taxa de crescimento superior à média européia e a diminuição do desemprego. Dizia que os socialistas iriam arruinar essa política e os acusava de frouxidão nas propostas de combate ao terrorismo. As pesquisas apontavam certa folga na vitória do partido de Aznar. Com o perdão do trocadilho, os atentados caíram como uma bomba em meio a essa situação. Aos conservadores interessava atribuir os ataques ao grupo separatista ETA (Pátria Basca e Liberdade), cujo braço político é o PNV (Partido Nacional Basco), que também concorre nas eleições. Com isso, desviaria a possibilidade de que as bombas tivessem sido detonadas por terroristas islâmicos, como a Al Qaeda. Essa última hipótese seria uma resposta à entusiasmada participação do governo Aznar na ocupação do Iraque. Mostraria os resultados da posição submissa dos conservadores à política genocida de Bush e Blair. Os socialistas juntaram-se à condenação ao ato terrorista e também responsabilizaram o ETA. Acontece que os conservadores acusam os socialistas de serem vacilantes na condenação às atividades do ETA. Para não confirmar essa avaliação, os socialistas preferiram repetir as declarações contra o grupo basco. Isso ajudou a montar o circo conservador. A ministra de relações exteriores enviou telegramas aos consulados e embaixadas com instruções expressas de que o ETA deveria ser responsabilizado pelos ataques. A imprensa não perdeu tempo. El País, ABC e outros diários capricharam em edições extras tentando demonstrar a autoria basca dos atentados. A principal emissora de tevê espanhola, a estatal TVE, exibiu na noite de 13 de março um documentário sobre o ETA que não estava previsto na programação. As asneiras de Aznar
Manifestações começaram a ocorrer em todo o país. Principalmente, em Madri. A idéia era condenar o terrorismo e consolidar a vitória conservadora. Mas, o azar de Aznar e sua turma foi querer fazer o povo de bobo. Não tratou os espanhóis como o ingênuo Sancho Pança, mas como o asno que o companheiro de Quixote monta. Nessa confusão de asneiras, sobrou para os conservadores. No próprio dia 11, cerca de 5 mil pessoas se reuniram em frente à sede do Partido Popular, em Madri. Foram exigir a verdade sobre os atentados. Nos dias seguintes, as manifestações foram além dos protestos contra o terrorismo. Transformaram-se em verdadeiras declarações coletivas de que o povo não é bobo. Tornaram-se a vitória socialista nas eleições de domingo. Zapatero tornou-se o novo primeiro-ministro e seu partido ficou com 42% dos votos contra os 37% dos conservadores. Claro que não se trata
de um raio num céu azul. As manifestações contra a
guerra foram enormes em toda a Europa. Na Espanha também. Não
evitaram a guerra, mas criaram um clima político de questionamento
ao imperialismo ianque e seus aliados europeus. Na Espanha não foi
diferente. As eleições de domingo tinham tudo para ser apáticas.
As projeções não estavam erradas. Os conservadores
tinham grandes chances. A horrível intervenção do
terror deixou nua a irresponsabilidade do governo Aznar. Tirou da apatia
um eleitorado que, com razão, via pouca diferença entre os
candidatos. Muitos foram às urnas menos para votar nos socialistas
e mais para condenar a proposta mais submissa aos interesses imperialistas.
E também para mostrar que manipulação da informação
tem limites.
Sérgio Domingues – Março de 2004 |