A Beleza Americana no Iraque
Militares femininas americanas envolvidas em torturas no Iraque. A bela Uma Thurman decepa cabeças e membros em Kill Bill. A força bruta masculina parece contaminar as mulheres. Mas, filmes como Beleza Americana e Nascido para Matar ajudam a explicar porque a violência não é natural, nem nos homens. Por Sérgio Domingues, 24 de maio de 2004
É claro que o mais importante é denunciar os atos praticados pelas tropas de ocupação no Iraque. Desmontar qualquer ilusão de que os invasores trariam democracia e liberdade. No entanto, as imagens dessas mulheres esclarecem duas coisas. Primeiro, mostram que a violência não é produto de disposições naturais. São criações sociais e culturais. Segundo, embaçam cada vez mais o retrato composto por "delicadeza, maternidade, intuição, ponderação" e outras características que costumam ser associadas à figura feminina. Denunciam que tais características podem até fazer sentido em determinada época e lugar, mas nada têm a ver com uma suposta natureza feminina. No recente Kill Bill, de Quentin Tarantino, Uma Thurman interpreta uma samurai que vence duelos sangrentos com seus inimigos. Dentre estes, também estão homens, só que não passam de coadjuvantes. Quem realmente é páreo para a personagem de Thurman são outras mulheres. Os homens aparecem para serem devidamente castrados de seus membros superiores, inferiores e intermediários. Não é uma grande novidade. Pelo menos desde Alien, o 8º Passageiro, a figura guerreira da mulher é cada vez mais freqüente. A personagem de Sigourney Weaver enfrentava as horríveis criaturas espaciais disparando balas com sua pesada metralhadora-bazuca. Morreu, mas pariu. É santa!
Exagerando, é algo parecido com o que levou o Papa João Paulo 2º a beatificar Gianna Molla porque ela se negou a fazer um aborto. A gravidez era de alto risco. A opção pelo aborto seria a mais segura. A mulher se recusou. Morreu no parto, mas a criança sobreviveu. Um verdadeiro exemplo do que pensa a cúpula da Igreja Católica. A função da mulher é procriar. Morreu, mas pariu. Cumpriu sua maior missão. O resto é detalhe. Em tempos em que as mulheres não querem se resumir a isso, a falecida só poderia ser considerada uma santa! Na verdade, é preciso lamentar a brutalização dos seres humanos em geral. Não apenas a da parte feminina dele. O ambiente que levou as militares Harman e England a assimilar tão bem a tortura e a humilhação como formas de tratar prisioneiros é o mesmo que criou nos homens igual disposição. No caso em questão, estamos falando do exército ianque, que só recentemente começou a admitir recrutas do sexo feminino em suas fileiras. Espero que seja difícil imaginar que a presença de mulheres nas forças armadas tornaria o exército mais "gentil, intuitivo, equilibrado" como querem alguns (e algumas) machistas enrustidos. É claro que só poderia ter acontecido o contrário. Quem assistiu Nascido para Matar, de Stanley Kubrick, deve-se lembrar de que o filme é dividido em duas partes. A primeira, mostra o treinamento militar anterior à entrada em combate. Ainda em solo norte-americano, os soldados recebem treinamento e tratamento brutais. A tal ponto que um deles comete suicídio. A bala que o recruta dispara em sua própria boca encerra a primeira parte do filme. O objetivo é mostrar que toda a brutalidade que virá na segunda parte, quando os soldados são mostrados em ação no Vietnã, é quase banal perto do tratamento recebido no quartel. São essas condições com que se depararam as militares femininas. Por outro lado, são essas mesmas condições que ajudam a entender as já numerosas denúncias de estupros de prisioneiros iraquianos por soldados das tropas de ocupação. Os acusados são, muito provavelmente, homossexuais mal resolvidos. Passaram por uma educação que reprimiu sua opção sexual e sofreram repressão aperfeiçoada no ambiente estúpido da caserna. O resultado é o apelo ao estupro em sua condição mais facilitada. A do domínio militar sobre a vítima. Onde a feiúra impera
Ainda falando de produções cinematográficas, lembremos o excelente Tiros em Columbine, do recém premiado de Cannes, Michael Moore. Retrato de uma sociedade vivendo um permanente cabo-de-guerra entre o medo e a violência. Ou seja, as ações do exército norte-americano no Iraque não passam de conseqüências de uma longa preparação do sistema de poder dos Estados Unidos. Uma preparação voltada para combater o que consideram barbárie com mais barbárie. Foi assim que fizeram com os indígenas, com os negros e as minorias em geral. É assim que respondem aos métodos carniceiros dos fundamentalistas islâmicos. Não é à toa que Ariel Sharon, Saddam Hussein, Bin Laden e outros assassinos em série foram, ou são, grandes parceiros dos governantes estadunidenses. Mas não se trata de uma
característica natural de norte-americanos, dos britânicos,
xiitas, árabes ou judeus. Nem de homens, mais do que em mulheres.
A igualdade entre mulheres e homens precisa ser alcançada. Mas não
para mostrar a mesma capacidade de gerar violência e morte. Isso
é produto de um caminho civilizatório que precisa ser negado.
Um caminho que só poderia assumir tamanha clareza no país
mais capitalista do mundo. Lá, onde a feiúra impera.
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