A câmera toma partido em Pão e Rosas
Texto compilado; Por León Diniz, em abril de 2004


O filme Pão e Rosas, dirigido por Ken Loach, nasceu num ponto de ônibus em Los Angeles, por volta das 2:30 da manhã no final de 1994. O diretor britânico, que estava a milhares de quilômetros de distância, editando o filme Terra e Liberdade, não podia imaginar que a história cairia tempos depois em suas mãos. 

Na Los Angeles moderna, onde os automóveis são o centro das atenções, os pontos de ônibus são freqüentados apenas pelos mais pobres e pelos imigrantes estrangeiros que precisam se locomover pelas vias expressas da cidade para chegar ao trabalho. 

Para o roteirista Paul Laverty, de passagem pela cidade e parado também num desses pontos de ônibus, era curioso observar as pessoas barulhentas que se aproximavam à espera de transporte. "De repente fui cercado por animados sotaques do México, Honduras, El Salvador e Nicarágua. Começamos a conversar e eles me disseram que trabalhavam como zeladores para banqueiros, companhias de seguro, advogados e agentes de Hollywood em alguns dos mais famosos escritórios de Los Angeles", recorda Laverty. 

Em sua maioria mulheres e vestindo uniformes, davam a impressão de pertencer a algum tipo de exército da madrugada, recorda-se o roteirista. "Fiquei chocado por várias coisas que fiquei sabendo a respeito deles. Eram irreverentes e dispunham de muita energia. Também me fizeram rir muito com suas histórias."

Laverty ficou surpreso com a organização do movimento e as alianças que estavam se formando em torno da causa, envolvendo sindicatos, estudantes e igrejas. 

Depois de trabalhar na Nicarágua - com o filme A Canção de Carla -, a possibilidade de filmar nos Estados Unidos era fascinante. "Me parecia ter descoberto um outro elemento dentro de uma mesma história: a relação entre os Estados Unidos e países que são essencialmente suas colônias econômicas e culturais", explica. 

O exército ilegal

As seqüências de abertura do filme mostram Maya, uma jovem e amedrontada imigrante mexicana, atravessando a fronteira com outros compatriotas, tendo dois "coiotes" também mexicanos como guias. Eles são o elo essencial no lucrativo tráfico humano através da fronteira do México com os Estados Unidos. Maya, e com ela o público, gradativamente vai descobrindo a outra Los Angeles, formada por uma comunidade de imigrantes, na maioria latinos e ilegais. São pessoas que andam de ônibus em LA, que ficam em pé nas esquinas como diaristas à procura  de trabalho. Executam as piores funções e ganham os piores salários. 

Não tardou para que Laverty mergulhasse no assunto e mantivesse contato com sindicalistas. "Logo compreendi que eles estavam diante de uma enorme tarefa. Muitos trabalhadores não falavam inglês e chegavam a Los Angeles ilegalmente. As empresas de conservação e limpeza não só lhes faziam ameaças de demissão, mas também de deportação dos Estados Unidos", afirmou. 

Para completar, muitos trabalhadores tinham dois e até três empregos. Muitos usavam a folga do fim de semana para reforçar o orçamento. O cansaço depois de uma jornada tão fatigante e os compromissos familiares eram um impecilho para a tarefa de organização sindical. Por razões objetivas e concretas, muitos trabalhadores se sentiam atemorizados demais para se envolver na luta. "Por razões também muito concretas, eles estavam desesperados por conseguir mudanças nas terríveis condições de trabalho. Era uma escolha dramática", diz Laverty. 

Loach queria mostrar a Los Angeles invisível que poucos conhecem, longe da apresentada e celebrada por Hollywood nos filmes de ação. "Queríamos dissipar a névoa da janela para ver as pessoas reais que existiam lá."

Ken Loach, Laverty e o pesquisador Pablo Cruz passaram vários meses entrevistando centenas de pessoas em Nova York, Los Angeles e Tijuana até que encontraram os atores e atrizes principais, bem como o vasto elenco latino.
 


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