A revista-símbolo
do atraso
Por Gustavo Barreto, 24 de maio de 2004 Quando você pensa, ao assistir às torturas no Iraque e o massacre aos palestinos, que o desprezo pela vida humana chegou ao limite, eis que surge algo ainda mais impressionante. Há publicações que apóiam a barbárie. Esta semana, por exemplo. Todos os jornais, tevês e revistas de todo o planeta escrevem alguma coisa sobre o festival de Cannes de 2004. Já que os nove componentes do júri decidem por unanimidade que o filme de Michael Moore é a melhor coisa que ocorreu este ano, é razoável que falem sobre o documentário "Fahrenheit 9/11", um verdadeiro tiro não contra Bush, mas contra todo o atraso político que a Casa Branca representa. Em outras páginas, jorram reportagens e imagens sobre os crimes contra a Humanidade que estão acontecendo neste momento. E o que fala a revista Veja na última edição, de 26/05/2004, sobre o filme de Moore? Nada, nem uma linha, exceto por uma frase na seção "Ponto de Vista", de autoria de Jean-Luc Godard e completamente descontextualizada: “Michael Moore tenta nos fazer acreditar que George W. Bush é burro. Mas Bush não é tão burro e Moore também não é tão inteligente.” No jornalismo, esse golpe baixo se chama "frasismo". Ele é utilizado nesta mesma seção para passar a idéia de que Leonardo Boff, um dos maiores humanistas que o mundo conhece, gosta de matar. Isso mesmo: segundo a Veja, Boff tem um instinto assassino aguçado. Tudo decidido por conta de uma única frase. E para as denúncias contra os Estados Unidos que não páram de se amontoar? Duas páginas. E para a mais grave crise humanitária do mundo que ocorre atualmente no Sudão? Nenhuma página, apesar do alerta esta semana feito pela ONU e pela ONG Médicos Sem Fronteiras. No âmbito nacional, o "jornalismo" da revista é tão autoritário e prepotente que chega a afirmar que o vice-presidente da República Federativa do Brasil, José Alencar, "não tem nada na cabeça, mas insiste em proferir toda sorte de bobagens". Em outra oportunidade, já havia chamado a chefe de Estado brasileiro do Meio Ambiente, Marina Silva, de "ministra natureba". Tratam-se de reportagens, não de um artigo ou de uma coluna — alguns jornalistas argumentam que, por se tratar de "opinião", vale tudo nestas seções. Se é este o teor do jornalismo, imagina, caro leitor, o que se escreve nas colunas. Esta é a mesma revista que possui o maior número de assinantes no Brasil — mais de um milhão de residências, cerca de 3 milhões de pessoas. Isso mesmo existindo concorrentes com o nível de qualidade astronomicamente superior, como é o caso — com a honestidade de quem gosta de realidade — da CartaCapital. Como Jornalismo
é feito de credibilidade, fica o questionamento: até quando
o jornalismo desumano da VEJA será agraciado com o dinheiro destes
brasileiros?
Gustavo Barreto é
editor da revista Consciência.Net (www.consciencia.net), colaborador
do Núcleo Piratininga de Comunicação (www.piratininga.org.br),
estudante de Comunicação Social da UFRJ e bolsista do Programa
Institucional de Bolsa de Inciação Científica (PIBIC)
pela ECO/UFRJ
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