Como queria a Globo
Gustavo Barreto, 16 de março de 2004 No jornal O Globo de hoje, página 31, o texto "Como queria Bin Laden" defende o ex-primeiro ministro da Espanha, José Maria Aznar, que perdeu esta semana as eleições dois dias após um cruel atentado terrorista no centro de Madri. Quem assina é o "jornalista" Ali Kamel, que na verdade é muito mais que isso - trata-se do editor-executivo da Central Globo de Jornalismo. Sua tese é a seguinte: quem venceu com a derrota de Aznar não foi o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). Foi Osama bin Laden. Para Kamel, "o povo espanhol não tinha outra saída moral senão apoiá-lo [Aznar]", mesmo reconhecendo no começo do artigo que este tentou se beneficiar do atentado jogando a culpa nos separatistas do ETA. Depois de lembrar que "Aznar contrariou 90% dos eleitores e apoiou a guerra", afirma (uma frase depois): "diante de 200 cadáveres, derrotá-lo foi a pior mensagem que os espanhóis poderiam dar ao mundo". Segundo o ilusionista e executivo da Globo, o novo primeiro-ministro socialista vai retirar as tropas espanholas do Iraque "como quer bin Laden". No meio do artigo, faz discurso parecido (ou idêntico) com o do Pentágono: "Quando vi que todos os chefes de Estado demonstrando indignação, imaginei que dali fosse sair um plano para uma ação conjunta e decisiva para enfrentar o que o mundo tem de fato pela frente: uma guerra entre os que defendem a liberdade de pensamento, os direitos humanos, os mais altos valores da Humanidade e aqueles que vivem num mundo em que não há lugar para a razão". Segundo Kamel, "a razão" e "os mais altos valores da Humanidade" estão com os países que estão no Iraque e que adotaram uma "necessária guerra antiterror", liderados pelos Estados Unidos, apesar de falar na mesma frase (!) o seguinte: "Como se a questão fosse de polícia". Descreve o "inimigo": "um grupo que imagina que fala com Deus, vê a todos que pensam de forma diferente como seres impuros e é dono de uma verdade que quer impor ao mundo pela força". Estaria Kamel falando de Bush e de seu grupo político? Seria uma descrição perfeita, colocada de forma bastante moderada. Mas o alvo era "uma seita enlouquecida de um ramo já enlouquecido do islamismo". É de certa forma patético, porque este discurso influencia poucas e risíveis pessoas e, além disso, não se entende porque um "jornalista" brasileiro tomaria tal posição sem ao menos saber quais interesses está defendendo. Além de podermos atribuir
a definição que Kamel - que no sítio "Canal da Imprensa"
tem como qualidades o fato de ser um profissional "durão e competente"
- deu à "seita maluca" a governos como os de Bush e Berlusconi,
a própria TV Globo parece cada dia mais enlouquecida, dentro de
um país com pessoas mais enlouquecidas ainda, pois ainda dão
audiência para um grupo de pessoas que mal sabem o que estão
defendendo, além dos próprios interesses e vaidades.
Gustavo Barreto é
colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação e
editor da revista Consciência.Net
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