A ditadura da informação
Por Gustavo Barreto, 22 de maio de 2004 "O que se sabe sobre Fidel". É esta uma das maiores fontes de informação sobre o regime de Fidel Castro, em Cuba, desde 1959. Pouco se fala sobre fatos, números, indicadores sociais, ações diplomáticas etc. As conclusões vêm de "o que se sabe sobre Fidel". A questão é: o que se sabe sobre o regime cubano? De forma mais ampla, como se dá o processo de formação da consciência em relação aos acontecimentos mundanos? Quando a sua fonte de informação dificilmente pode ser confirmada, desconfie: você foi pescado pela rica e farta indústria de Relações Públicas. Sabendo da importância da informação para o mundo atual, todos os governos têm investido cada vez mais nesta indústria, que mistura os serviços de inteligência, a secretaria de comunicação e, quando a ação é fora do território nacional, as forças armadas. Normalmente a população não adere a teses conspiratórias e, em grande parte, não gosta de intervenções no exterior. É preciso criar essa vontade, para que os governos possam governar em paz. Para isso, é preciso instaurar o medo ou reviver antigos receios. Em 1954, os Estados Unidos se mobilizaram para derrubar o governo democrático e capitalista da Guatemala e implantaram uma sociedade dominada por um criminoso esquadrão da morte, que permanece até hoje e recebe constante ajuda econômica norte-americana. Entra, neste contexto, o poder da propaganda, que nos diz: "Seja lá o que façamos, é sempre nobre e justo". Eu me coloco, para não deixar dúvidas, contrário a qualquer forma de ditadura. Mas este texto não é sobre todas as ditaduras. Estas, abro um parêntesis, podem ser econômicas, políticas, sociais, culturais etc., e dentro de cada item podem tomar formas diversas. Cuba e Estados Unidos são dois exemplos de ditaduras políticas, cada qual com suas particularidades. Neste caso, vamos fazer uma rápida análise sobre o desejo de democracia da Casa Branca em relação a Cuba. Entre em Whitehouse.gov, endereço oficial do governo norte-americano, e digite "Cuba" na caixa de "search". Você vai achar o plano para uma "Nova Cuba" de 20 de maio de 2002, intensificado ano após ano. Qual é a nova Cuba dos Estados Unidos? Que elementos, segundo eles, proporcionarão ao povo cubano dividir o "progresso de nosso tempo"? Eles dirão que uma das saídas é: "facilitar a assistência humanitária para o povo cubano por parte de grupos religiosos norte-americanos e outros grupos não-governamentais. ("facilitating meaningful humanitarian assistance to the Cuban people by American religious and other non-governmental groups", original aqui). Freqüentemente o porta-voz da Casa Branca termina seus memorandos com os dizeres "Que Deus abençoe o povo cubano" ("May God bless the Cuban people"), mesmo que o tema seja outro país da América Central, como o governo amigo de El Salvador. "Mas eu não apóio os Estados Unidos. Não é o plano dos Estados Unidos que eu considero o melhor para a região, é o plano do povo cubano", dirão. Constatação: você não tem um plano e possivelmente apoiará Fidel Castro na maior parte do seu tempo. Não que a verdadeira oposição a Fidel Castro — ou seja, a que não precisa receber dinheiro e apoio logístico de Washington/Miami — não tenha críticas ao regime. Eles divergem, sim, de determinados aspectos, porém estão infinitamente mais preocupados com a Casa Branca, onde se instalou em 2000 um grupo terrorista da direita religiosa que pretende sobrepor seus interesses diretos financeiros aos Direitos Humanos, estejam eles instalados no Iraque, na Colômbia, na Palestina, em Cuba ou mesmo em casa. Esta é a grande preocupação do povo cubano, neste momento. O país "sanguinário", segundo os reprodutores das agências de relações públicas, é um país em torno de 500% mais seguro de se viver que a maior parte do mundo. A ditadura política de Fidel Castro foi instalada a partir de 1959 em substituição a um dos mais sangrentos regimes políticos que a América Latina já conheceu, de Fulgêncio Batista, um latifundiário apoiado abertamente pela CIA e pelo exército tanto local quanto norte-americano. Mesmo repudiando a ausência do pluripartidarismo, assim como das eleições, o aspecto político é um entre muitos outros. Sangüinários, portanto, somos muitos de nós, que falamos em "progresso" mas colocamos anualmente 5 milhões de famintos ao grupo que já soma 1/3 da população mundial. Segundo a ONU, cerca de 24 mil pessoas morrem diariamente devido à fome, ou a causas relacionadas com a fome. Três quartos das mortes dão-se em crianças com menos de cinco anos. Nenhuma delas, conforme reconhece a própria ONU, está em Cuba. E o que fazem os países "civilizados", donos do "progresso"? Em contraste com tais medidas humanitárias propostas pela nação mais rica do mundo, por exemplo, estão os números. No ano fiscal findo em setembro de 2002, no Afeganistão, a guerra custou US$ 13 bilhões, ao passo que o esforço total do Pentágono em obras civis e humanitárias alcançou apenas US$ 10 milhões (com ême). Em abril de 2003, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos levantou US$ 1,7 bilhões em ajuda para socorro e reconstrução do Iraque. Em contraste, o Programa de Alimentos da ONU para evitar que 40 milhões de africanos em 22 países morram de fome enfrenta uma escassez de US$ 1 bilhão. Vivemos, em termos globais,
diversas ditaduras, em diferentes esferas, espalhadas por todos os países
do planeta. Temo que a mais grave, no entanto, seja a ditadura da informação
que, em vez de formar o cidadão, promove a uniformização
das mentes humanas.
Gustavo Barreto é
editor da revista Consciência.Net (www.consciencia.net), colaborador
do Núcleo Piratininga de Comunicação (www.piratininga.org.br),
estudante de Comunicação Social da UFRJ e bolsista do Programa
Institucional de Bolsa de Inciação Científica (PIBIC)
pela ECO/UFRJ
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