Folha de São Paulo
joga o leitor contra os Racionais MC´s
Em 28 de março, a Folha de São Paulo publicou reportagem com um título que sugere que os Racionais MC´s se venderam à TV Globo. Este é um grande desejo da grande imprensa. Mais uma vez eles se frustraram. Por Eliana Antonia, abril de 2004
O intuito da Folha através deste título é tratar como mercenários os integrantes dos Racionais MC´s, um dos mais respeitados grupos de Rap do país. Esta desqualificação será defendida pelo jornal que inicia a reportagem de forma irônica com a seguinte pergunta: “Racionais na Globo? Sim.” Para quem não conhece muito do assunto sejamos sintéticos na explicação da forma como a grande imprensa brasileira manipula informações segundo os interesses da classe que representa e da qual é porta-voz. Vejamos como o assunto é tratado pelo Jornal: Pela primeira vez, o grupo de rap nacional mais avesso à mídia concordou em ceder um minuto de uma música para a emissora. O feito vai ao ar no próximo domingo, durante o "Fantástico". A música "Negro Drama" irá compor a trilha sonora do quadro "Brasil Total", ancorado por Regina Casé. O quadro, no ar há um ano, deixará de exibir apenas reportagens produzidas por afiliadas ou produtoras independentes distantes dos grandes centros. Irá se abrir também para as periferias das metrópoles. A primeira, dia 4, será São Paulo. Depois, virão Porto Alegre e Salvador. A proposta é "dar exposição máxima aos que estão de fora". Os “Racionais” - como são conhecidos pela juventude moradora das periferias dos grandes centros - chamaram atenção em 1992, quando se tornaram conhecidos nas favelas paulistanas com as músicas Mulheres Vulgares, Beco sem Saída, Racistas Otários e Hey boy. Em 1994 a imprensa não pode ignorar o sucesso de Um Homem na Estrada, Fim de semana no parque e Mano na porta do bar. Estes raps eram tocados até mesmo nas estações de rádio comerciais, tal era o interesse dos jovens pobres pelas letras contundentes na denúncia do racismo e da violência policial, além das afirmações do valor e da importância do povo preto. A partir de então o grupo passou a fazer shows pelas periferias das zonas sul de norte de São Paulo, onde moravam seus integrantes, Mano Brown, Ice Blue, KLJ e Eddy Rock. Em pouco tempo eles já seriam conhecidos em todo o Brasil, como uma importante referencia do Rap militante, responsável e comprometido com causas sociais. O incômodo causado por estes quatro rapazes negros e pobres foi grande. Em diversos jornais foram publicadas matérias em que eram acusados de incitar os jovens à violência contra a polícia, contra os brancos, o ódio racial, entre outras incoerências semelhantes a esta recente matéria da Folha. Desde de que surgiram, os Racionais seduzem milhares de jovens de todas as classes sociais, mas principalmente das classes mais pobres com sua postura consciente frente às diversas formas de dominação utilizadas pela elite na manutenção da atual desigualdade social e nas poucas oportunidades dos negros de se mobilizarem socialmente desde sua chegada ao Brasil, no século XVI. Parte desta postura coerente e afinada com o povo pobre é traduzida na aversão que o grupo tem à mídia comercial. Nunca se apresentaram na TV Globo, no SBT ou em outras emissoras que colaboram com a alienação através de novelas, filmes enlatados, etc. Justificam esta postura apenas com as letras de suas músicas - e cabe lembrar que música para eles não é apenas um som agradável. Música é muito mais que isto, é uma arma contra a discriminação, contra a opressão e contra a miséria. Dito isto, passemos à reportagem da Folha. Nela é feita a acusação de que o grupo, após anos de recusa, teria finalmente se rendido aos louros do mercado, cedendo direitos de uma música para o quadro “Brasil Total”, apresentado por Regina Casé, durante o Fantástico. Para quem lê apenas a manchete, fica a impressão que uma música dos Racionais será executada no Fantástico, ou em novelas. Talvez alguém imagine até que eles irão se apresentar no Faustão, ou coisas do tipo. Não se trata de nada disto, como pode constatar quem lê a integra da matéria. Na verdade os Racionais colaboraram com um amigo – Sérgio Vaz, que conversou com Brown e explicou o objetivo do diretor independente Jéferson De, na direção do quadro que teria como enredo um conto do também combativo Ferréz. O quadro foi ao ar no Domingo, 04 de abril de 2004. Quem assistiu pôde perceber que a Globo, neste episódio, abriu espaço em sua programação para um assunto interessante para o povão. Mostrou uma ínfima parte de seu cotidiano, sua arte, suas inúmeras formas manifestação, de se fazer ouvir. Particularmente achei o quadro muito legal. A TV Globo está passando por grave crise financeira, necessitando do dinheiro público, agora gerenciado por um governo mais voltado para a maioria, o que a impele a abrir espaço para as questões dos pobres em geral. A Globo é boazinha? Não. Ela dança conforme a música. O que não é o caso dos Racionais MC´s, que tiveram apenas um pequeno trecho da letra de Negro Drama, recitado como uma poesia pela mulher que inspirou a letra – Dona Vilma. Alguém poderia dizer que, em função da Dona Vilma cantar uma música dos Racionais num programa da Globo, eles se venderam? Ou alguém poderia dizer que se eles cedessem mesmo os direitos da música para um quadro produzido por uma produtora independente - de amigos do grupo – eles poderiam ser tachados de mercenários? Acredito que não. Creio que eles continuam a ser o que sempre foram: homens coerentes, combativos e inteligentes. Se alguém fez algo que não esta em sua cartilha, foi a TV Globo, que não sem interesses alheios ao assunto reservou parte do horário nobre para pessoas pobres, negras, amantes da arte e lutadores nesta guerra diária pela melhoria das condições de vida nas periferias. Embora este seja um grande desejo da Folha de São Paulo, Estadão, TV Globo, etc, ter os Racionais cooptados ou mesmo seduzidos pelo poder midiático e pelo dinheiro, mais uma vez eles se frustraram. Afinal os Racionais MC´s
são os “Racionais” MC´s.
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