Pautar
a comunicação na perspectiva dos trabalhadores
Por Valdisnei Honório Alves, maio de 2006
Pautar a comunicação como prática social de natureza coletiva na perspectiva dos trabalhadores em oposição às investidas e aos rumos do desenvolvimento do capital e seu modelo de Estado, envolvendo transversalmente todas as identidades sociais em movimento e, com elas, os conteúdos, estratégias e bandeiras de lutas específicas e gerais, constitui a primeira estratégia cultural e política para o desmonte da hegemonia do capital e de seu poder de estado, nas esferas do local, do nacional e da globalização. Isso significa que os trabalhadores, as trabalhadoras, assalariado(a)s, sem terra, sem emprego, sem moradia, sem escola, sem comunicação, e os excluídos de diversas políticas públicas, devem produzir seus conteúdos, suas falas, seus textos, suas imagens, e, com estes, seus veículos ( rádio, jornal, tv, projetos online, grafite, etc), ora como mensagem ou veículo de sua categoria, ora como projeto comum (coletivo) de classe, etnia, gênero, moradia, partilhado dos movimentos sociais em luta pela cidadania plena. Mas, enquanto existirem veículos de comunicação de massa das classes dominantes, estes devem, em menor grau, serem usados, ao mesmo tempo criticados, denunciados, desmascarados ou socialmente controlados para que exerçam a natureza pública similar a todos veículos de comunicação, sempre na perspectiva de redução de sua presença ou de sua falência como empresa ou instituição reprodutora da subjetividade capitalista. Vê-se que a comunicação, isto é, o diálogo constante entre pares no interior de um segmento social e, em dimensão mais ampla, no que há de comum entre as identidades sociais em movimento, é indispensável para a luta por políticas públicas democráticas, pela garantia dos direitos sociais e do trabalho e pela transformação do estatuto da promoção do privilégio, historicamente instituído, no da igualdade social, com a partilha dos direitos individuais e coletivos e da socialização da produção material e imaterial em todos os níveis da sociedade brasileira; E, nas instâncias do poder de estado, essa comunicação instrumentaliza a educação para a prática da democracia direta, produzindo-se assim os modos cada vez mais amplos de inserção concreta da maioria trabalhadora nos espaços públicos da comunicação comunitária e da elaboração, implementação e fiscalização participativa das políticas públicas de acesso livre e universal na idéia de um país de todos, onde se desloque a lógica do desenvolvimento histórico do capitalismo para o campo do desenvolvimento humano, isto é, avance nas práticas sociais da economia popular, da partilha, da solidariedade entre os explorados e oprimidos rumo à sociedade socialista: ideário a ser revivido pelos trabalhadores e trabalhadoras, enquanto classe social capaz de produzir-se como força material revolucionária para um outro Brasil, outra América Latina, outro mundo possível e necessário. Produzir então um projeto comum de comunicação dos movimentos sociais, sob gestão coletiva partilhada e horizontalizada no conjunto dos movimentos pela democratização da comunicação e sociedade, entretanto referenciado no ideário socialista dos trabalhadores, das trabalhadoras, e tribais indígenas e afro descendentes, é a estratégia instrumental para o desenvolvimento das demais estratégias culturais e políticas, tanto para a mobilização, conscientização e organização interna de cada categoria ou segmento social, como para a adesão das amplas massas populares e, em determinadas circunstâncias historicamente datadas, para viabilizar apoios efêmeros de instituições da sociedade civil, tendo, entretanto, que agendar ações políticas de massa, as quais se fazem circular simultaneamente pelos veículos próprios de comunicação e de transmissão de informações de cada movimento social e da rede comum das identidades sociais em movimento. Se a primeira estratégia é produzir um jornal, como dizia Lenin, ou outros meios e técnicas de produção, transmissão e materialização das idéias, que amplamente difundidas se transformam em força material, a segunda estratégia cultural e política deve ser a de envolver os indivíduos em geral e suas representações políticas, a partir da capacidade de articular ações, idéias, expressões, sentimentos, imaginários sociais, nos níveis de lideranças e de bases dos movimentos e das redes horizontais e verticais que são produzidos como condições materiais dadas para o conjunto e unidade de ações do movimento social, no lugar e época em que ocorrem, sob permanente conflito de classe inerente ao sistema capitalista. Se isolados, vistos como manifestações culturais e/ou políticas, os atos públicos dos trabalhadores, das mulheres, dos negros e pardos, dos índios, dos sem-terra, dos estudantes, inclusive sem dispor dos espaços públicos de comunicação comunitária e dos veículos internos da categoria social, tendem a reduzir sua possibilidade de circulação no tecido social, minimizar seus efeitos e, ao final, serem consumidos como manifestações efêmeras, dispersas, na agenda política dos movimentos de contestação social. Em suma, serão digeridos pelo sistema. Infelizmente as práticas de comunicação das entidades de base e centrais de cada movimento, a exemplo da CUT, UNE e MST, se dão ainda isoladas, tanto local como nacional, centradas na idéia da transmissão de comunicados como práticas de mídia que, por sua vez, reproduzem na sua forma a subjetividade capitalista, apesar do conteúdo reportar-se à alguma ação perversa da economia capitalista ou de seus aparelhos de estado. Quando algum segmento fala de comunicação, limita-se a querer aumentar a visibilidade daquele segmento nos aparelhos de mídia, seja negro, mulher, homossexual, morador, estudante ou trabalhador, reproduzindo processos e técnicas tradicionais na produção social dos discursos. Cada um discute a sua ação comunicativa e não se articula para pensar coletivamente uma estratégia comum. Entre outros, o movimento negro teve um comportamento desse tipo, em novembro último, em Brasília, quando divididos em duas datas, realizaram a marcha Zumbi mais 10, mas a comunicação não consta no documento entregue ao governo federal. Por outro lado, no FNDC, os jornalistas e radialistas prendem-se aos conflitos imediatos dos trabalhadores da comunicação com o setor privado quando priorizaram a tecnologia digital entre os itens da luta pela democracia na comunicação. Porque não priorizam a produção social do sistema público de radiodifusão e as práticas comunitárias da comunicação popular, as quais dialeticamente produzem, no mínimo, a redução quantitativa das emissoras privadas, o poder que elas têm para influenciar e modelizar as pessoas na vida em sociedade e do próprio sistema privado hegemônico de radiodifusão. Ao reduzir as praticas sociais da comunicação, e, com ela, as múltiplas mediações sociais, aos meros projetos específicos de mídia, circunstancialmente datados, as lideranças dos trabalhadores e demais movimentos sociais terminam provavelmente dando um tiro no pé. E a Radiodifusão Comunitária? Ela é integrante do movimento de luta permanente pela democratização da comunicação . Todavia essa democratização só poderá ser efetivada na sua plenitude com a abolição da propriedade privada dos meios de comunicação e, em efeito, dos processos sociais de exclusão na gestão das emissoras e na produção social dos coneteúdos. Na nossa visão, as Rádios Comunitárias a serem construídas e aquelas em construção não são Mídia, no sentido de empresas agenciadas pelo capital para perpetuar seus valores, suas idéias, suas convenções e a ordem social estabelecida. Não são fábricas de mensagens auto-referentes a serem transmitidas de modo vertical e unidirecional. Elas são instrumentos de mediação social que, se geridos pelos setores explorados e oprimidos, garantem às identidades sociais em movimento a produção dos espaços estratégicos de sua luta, isto é, os processos da emancipação social. Na condição de espaço público, similar à uma praça ou ágora, elas são democráticas, plurais, horizontais e polifônicas. Deste modo, constróem uma outra subjetividade humana oponente à subjetividade capitalista , que vem sendo modelada pelos meios midiáticos . Elas podem materializar nossa luta pela democratização da comunicação e da sociedade como um todo. Quando uma parcela da esquerda prefere seguir o caminho que parece mais fácil - o midiático dos marqueteiros - deixa o movimento à mercê de oportunistas, que só querem lucrar e/ou ampliar seu domínio, e com isso, só traz prejuízos para o avanço do movimento e suas estratégias. Favorece a proliferação de emissoras privadas de baixa potência, reprodutoras de subjetividades conformadas, capitalística. O capital e seus asseclas atacam com todos os meios o movimento das RADCOM, ao mesmo tempo que fomenta as falsas emissoras, como reais traficantes das ondas públicas do rádio. Esta é, além da repressão, uma das dificuldades que a ABRAÇO (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária) e o FNDC(Fórum Nacional pela democratização da Comunicação) – criador da ABRAÇO- encontra para o avanço do movimento e a construção das autênticas Rádios Comunitárias. Nós temos o desafio de pautar, de debater e construir a relação dos movimentos sociais com a luta da democratização da comunicação, especialmente as rádios comunitárias e futuramente as TVs . Queremos contribuir na construção do projeto comum. Unindo as experiências organizativas e de luta dos movimentos populares e sindicais na apropriação coletiva dos processos e das técnicas da comunicação. As emissoras de baixa potência , geridas coletivamente, interligadas ao computador e ao telefone , serão fundamentais na disputa contra-hegemônica dos setores populares subalternizados. Desafios São enormes os desafios , frente a atual situação das rádios comunitárias no país. A importância e o significado dessa luta exigem uma política que oriente a intervenção qualificada para contribuir na organização das rádios comunitárias transformadoras. Ampliando-se o conhecimento, amplia-se, também, o apoio e as ações àquelas em funcionamento e contribui na abertura das que foram ilegalmente fechadas nos governos de FHC e de Lula. Mais não é só isso. Vamos pensar como construir, coletivamente, espaços para debater o nosso projeto de mídia (materialização das nossas idéias na sociedade ), bem como a construção do projeto de comunicação comum dos movimentos sociais e sindicais, que se interagem enquanto estratégias instrumentais para que se viabilizem outras estratégias específicas das identidades em movimento e as gerais, comuns a todos os movimentos representativos das vítimas da exploração e dominação do capital. Apoiar e defender as RCs e construir com os movimentos sociais e trabalhadores da comunicação e suas entidades, os comitês regionais do FNDC, constituem tarefas imediatas. Não
basta compreender somente a situação das RCs, como
também, o expressivo movimento de insubordinação civil
de setores de vilas e favelas, bairros populares, igrejas, universidades,
sindicalistas, mulheres e homens, com presença dos sindicatos
de trabalhadores rurais e MST.
1- Pensar
a estratégia de capacitação da sociedade
para o conhecimento e ação como estratégia privilegiada
do movimento pela democratização da comunicação
e da sociedade.
3- Travar a discussão no interior da CUT, visando construir e contribuir nas políticas da Central para as rádios comunitárias e a democratização da comunicação. Fomentar debates nos estados entre os movimentos sociais e os da comunicação. Organizar os comitês sindicais do FNDC e as ações deste na agenda política sindical 4- Privilegiar o sistema público não estatal, auto-gerido pela sociedade, lutar para democratizar o sistema estatal e, em efeito, reprimir as demandas do sistema privado historicamente predominante. 5- Demarcar territórios para ocupar livremente as ondas de radiodifusão de sons e imagens e técnicas conexas de produção de informação, através do sistema público de radiodifusão comunitária . 6- Defender a radiodifusão comunitária como direito humano, social , básico , tal como preconizado no artigo 13 da convenção americana de direitos humanos( pacto de São José da Costa Rica). 7- Debater a construção de uma agência comum dos movimentos sociais, sindicais e populares 8- Apoiar e participar de alguma forma na realização de seminários nos municípios, nos estados e no país para discutir e debater nossa estratégia comum.. 9- Participar da construção da ABRAÇO como entidade de representação e de luta dos movimentos sociais em defesa das rádios das comunidades e da democratização da comunicação 10- Propor debates e manifestações nas assembléias legislativas, câmaras municipais e nos movimentos sociais, denunciando a repressão e a criminalização do movimento. 11- Realizar parcerias nos estados e municípios com as rádios comunitárias através da ABRAÇO para viabilizar a transmissão em cadeia( rede) de programas de interesse dos movimentos sociais e da classe trabalhadora. 12- .Incentivar a apresentação de leis municipais e estaduais para criação, regulamentação e instituição de conselhos de comunicação municipais, metropolitanos e estaduais. 13- Denunciar
publicamente as rádios que usam o nome de comunitária,
quando na realidade reproduzem a ordem e o noticiário da mídia
patronal, dificultando ou impedindo o acesso às emissoras, que são
da comunidade e precisam de uma comunidade gestora e participativa dentro
delas.
Referência bibliográficas:
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