Modelo brasileiro de rádio e TV digital no Brasil: realidade ao alcance de todos
As associações de rádio e de TV, as emissoras, a sociedade civil, cada cidadão precisa entender a importância da digitalização no país e não se deixar levar por histórias contadas na mídia e nem por pressas do governo brasileiro. Implantar a TV e o rádio digital em qualquer país leva tempo – não acontece de uma hora para outra. Por Profª Eula D. Taveira Cabral, editora do Informativo Eletrônico SETE PONTOS, maio de 2006


No cenário comunicacional, o rádio e a TV digital vêm ganhando grande relevância. Os motivos são simples: o governo federal investiu dinheiro em pesquisas e teve bons resultados; a definição vem levando mais em consideração aspectos políticos; o modelo adotado influenciará a sociedade brasileira nos aspectos de conteúdo (programação), social, tecnológico, econômico e político. Diante disso, não se pode ignorar a importância de se adotar um modelo que tenha a cara e satisfaça as necessidades do país. Usar o que já existe no mercado internacional, com peculiaridades dos locais onde foram criados, é tentar colocar mais uma vez o Brasil subordinado aos imperativos estrangeiros. E isso é algo que não se pode nem se deve permitir.

Modelo brasileiro de TV digital

O Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) foi instituído em 23 de novembro de 2003 pelo Decreto 4.901, assinado pela Presidência da República. Foram criados dois Comitês e um Grupo Gestor. Além disso, foi contratada a fundação CPqD para elaborar o modelo de referência que seria adotado pela TV digital terrestre no Brasil, que coordenou 20 consórcios de pesquisa, envolvendo mais de 70 instituições.

No Decreto deixa-se claro que o SBTVD deveria promover a inclusão social, a diversidade cultural, pesquisa e desenvolvimento, a expansão de tecnologias brasileiras e da indústria nacional relacionadas à tecnologia de informação e comunicação. Além disso, evolução do serviço de televisão analógica e do ingresso de novas empresas, de ações e modelos de negócios para a televisão digital adequados à realidade econômica do país. Mas, o que foi e vem sendo feito?

Não se pode ignorar que o investimento do Governo Federal no financiamento dos projetos de pesquisa e desenvolvimento do Sistema Digital Terrestre foi resultado de um convênio firmado com o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (FUNTTEL) e a Fundação CPqD, resultando em um orçamento de R$ 65 milhões, sendo R$15 milhões para o CPqD e R$50 milhões para contratação das demais instituições científicas.

No dia 13 de fevereiro de 2006, o CPqD divulgou o relatório “Modelo de Referência - Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre”. Analisaram-se as alternativas e propostas de modelos de exploração e implantação e análise de viabilidade, de riscos e de oportunidade. Dentre as conclusões, deixou-se claro que o sistema brasileiro é muito bom, superando em muitos aspectos os concorrentes.

Um dos sistemas apresentados no relatório é o SORCER – Sistema OFDM com Redução de Complexidade por Equalização Robusta. Ele possibilita transmissão e recepção (modulação) de qualidade, alta definição, redução de custos ao receptor, proporcionando o desenvolvimento de uma política industrial onde o Brasil pode se tornar produtor e exportador de tecnologia de ponta.

Mesmo com possibilidades favoráveis ao país, escuta-se na mídia que o governo está interessado em usar modelos estrangeiros: o japonês (ISDB), o europeu (DVB) ou, quem sabe, o americano (ATSC)? Pior ainda é que negociações vêm sendo feitas e desculpas vêm sendo criadas. Tudo em prol do empresariado dos conglomerados de comunicação e contra os reais motivos propostos pelo governo federal em prol da sociedade brasileira.

As associações de televisão também não levam em consideração os aspectos reais da implantação da TV digital do país. As emissoras comunitárias e universitárias, que poderiam se mobilizar em prol de um modelo nacional, ignoram o fato por que não buscam entender o que vem acontecendo, passando a impressão que não entendem o que vai acontecer no país daqui a alguns minutos (se o governo brasileiro definir o padrão), quem sabe!

É hora de lutar pelo povo, proporcionando-lhe programação de conteúdo, inclusão social, emprego e dignidade em viver num país onde é respeitado como um cidadão que tem direitos e deveres. As associações e cada emissora têm possibilidade de fazer algo. Têm força e podem contribuir na concretização de uma sociedade do conhecimento, onde a democratização da comunicação é uma realidade. 

Em busca de um modelo de rádio digital (?)

O modelo brasileiro de rádio digital também passa pelos mesmos critérios que o da TV. O problema é que o governo federal vem trabalhando de modo mais confortável na definição do que seria. Ou melhor: na adoção do sistema americano ou do europeu, ignorando, assim, qualquer possibilidade de beneficiar a sociedade brasileira nos aspectos de conteúdo (programação), social, tecnológico, econômico e político.

O governo, simplesmente, passa a ignorar as pesquisas em prol do SBTVD e um de seus objetivos descritos no Decreto 4901 – que evidencia o dever de se “aprimorar a qualidade de áudio, vídeo e serviços, consideradas as atuais condições do parque instalado de receptores no Brasil”. Deixa claro na mídia que se inclina para o modelo americano.

Pois, é fato que 13 rádios comerciais estão testando o sistema americano IBOC (In-Band-on-Channel) e apenas a Radiobrás o sistema europeu DRM (Digital Radio Mondiale). Pior que isso é que as rádios comunitárias, as públicas e mesmo as pequenas emissoras, estão sendo totalmente ignoradas do processo.

No que tange às rádios comunitárias, são mais de 15 mil emissoras que não foram consultadas e nem levadas em consideração na viabilização de testes do “Serviço Especial para Fins Científicos ou Experimentais”. Mas, por que tomar essa atitude?

O IBOC é um sistema proprietário, exigindo pagamento de royalties. Mesmo sendo interessante no que diz respeito à transposição do sistema analógico para o digital, possibilita que as outorgas atuais sejam mantidas, podendo alcançar quatro a seis canais, conforme a capacidade de compressão. O ganho que poderia ser dado a todos na história é o subsídio do governo durante um ano para as emissoras adquirirem os equipamentos para a transmissão digital.

Isso significa que os empresários dos grandes grupos de mídia e os políticos continuarão comandando e definindo o destino de outras emissoras, tendo a possibilidade de terem mais canais. Além disso, o apoio do governo, durante 12 meses, na compra de equipamentos para adaptarem suas emissoras à realidade digital. E mais: a definição de seus territórios e poderio e o fim da voz das comunidades, ou seja, as rádios comunitárias.

Já o sistema europeu, o DRM, oferece qualidade aproximada à de FM, transmitindo em ondas curtas e médias e usando a banda de freqüência do AM. Ele não implicaria em mudanças significativas, uma vez que o ouvinte não precisaria escolher o tipo de faixa (AM, FM, OC ou OT) para sintonizar estações de rádio digital. E, junto com o padrão europeu DAB, permitiria a transmissão em FM. Ou seja, ele abre a possibilidade de adaptar ao rádio o sistema desenvolvido pela PUC-RS no marco do SBTVD, o SORCER. Pois, se adapta à realidade da maioria das rádios brasileiras: as rádios comunitárias.
Mas, mesmo assim, seria interessante adotar um modelo estrangeiro? Por que o governo brasileiro não investe num padrão adequado à sua realidade?

É hora de acordar. As associações de rádio e de TV, as emissoras, a sociedade civil, cada cidadão precisa entender a importância da digitalização no país e não se deixar levar por histórias contadas na mídia e nem por pressas do governo brasileiro. Implantar a TV e o rádio digital em qualquer país leva tempo – não acontece de uma hora para outra, resulta em gastos financeiros, mexendo no bolso de cada um brasileiro, exige política clara e uma legislação adequada – algo que o país não tem. Além disso, influencia no conteúdo transmitido, na inclusão social e digital de todos os brasileiros, na possibilidade de se ter uma indústria de tecnologia de ponta, sendo referência num modelo de digitalização próprio.
 
 


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