Tráfico
nada tem de revolucionário
Por Marcelo Freixo, 15/5/2006
É uma empresa que se estabeleceu num espaço onde ela não tem nenhuma preocupação com exigências legais ou cobranças de impostos. É uma empresa com forte produção de alienação do trabalho, onde a mão-de-obra não tem a menor idéia do quanto rende a empresa. E o efeito social disso é terrível. Você tem uma juventude que está completamente perdida, sem nenhuma expectativa de futuro, que segura em armas e que tem toda uma ilusão fortíssima de poder. Porque esse poder existe, mas é um poder local, limitado e finito. O futuro dessa garotada que está no tráfico não tem jeito: ou é a morte ou é a cadeia. Não tem nada de revolucionário ou transformador no tráfico. Além de ter essas características capitalistas, ele é absolutamente opressor e se estabelece na favela através da construção de uma política de terror, onde jovens pobres matam jovens esfarrapados diante de facções que representam o que a opinião pública entende por crime organizado. O crime é muito organizado no Brasil. É tão organizado que a sua real organização não é visível. O que boa parte da imprensa e da opinião pública entende como crime organizado é exatamente onde ele não se organiza _nos setores mais pobres, onde o que existe é o ponto final de um investimento absolutamente hierárquico, lucrativo e desigual. O tráfico está entre os três comércios mais lucrativos do mundo. Se você entra em uma favela, vai ver muita arma, muita droga e muita miséria. Tem alguma coisa errada nesse elo. O dinheiro não fica ali. E aí entra toda uma hierarquia onde as investigações nunca chegam, porque também não interessa. A lógica da segurança pública construída no nível federal e estadual é a da repressão, ponto final. Porque, na verdade, a repressão não é à empresa capitalista. É ao setor pobre da sociedade. Caso existisse algum interesse em combater o tráfico se trabalharia muito menos com repressão e muito mais com inteligência _o caminho da droga, da arma, os fornecedores, uma integração dos governos. Quem chamamos de grandes traficantes são pessoas que, na maioria das vezes, nunca saíram da favela. São pessoas que não têm acesso à internet, que não sabem onde ficam a Colômbia ou a Bolívia, que só conhecem as vielas daquele grupo que controla com arma. Conheço boa parte dos chamados grandes traficantes que estão presos, por trabalhar muitos anos nos presídios, e eles são pessoas que têm baixíssima escolaridade e não teriam a menor condição de estar à frente de um negócio sofisticado como é o comércio internacional de drogas. Numa escala de um a dez na hierarquia do controle do tráfico, eles não chegam a dois. E a gente insiste em achar que, combatendo esses setores, combate o tráfico. Existe um problema maior. O tráfico tem que ser entendido dentro da lógica de exclusão social, que é muito profunda. O processo de exclusão é geográfico, é cultural, é ideológico. Um programa de segurança tem que partir do princípio de se garantir segurança aos moradores da favela, combater o tráfico e não permitir que ele entre lá. Porque a principal vítima disso é o morador da favela. Não é a classe média. Quem perde seus filhos para o tráfico, seja pelo consumo ou pela morte, são os moradores. O que mais impressiona no Rio de Janeiro, ao contrário do que se imagina, é o quanto a violência não cresce mais do que ela já existe. Porque é muito impressionante você entrar em uma favela do Rio e ver que menos de 1% daquela garotada se envolve no tráfico. Como é que tão poucos entram, diante de tanta exclusão? A Rocinha tem 180 mil moradores e você não tem 70 pessoas envolvidas no tráfico. Mas se você sair às ruas e perguntar qual o percentual de moradores das favelas envolvido com o crime, você vai ouvir que todos, ou uns 80% estão no crime. Há
um processo consolidado ideologicamente de criminalização
da pobreza. Isso legitima toda essa lógica de segurança pública
que opera exclusivamente na repressão e no controle aos guetos.
E é ineficaz.
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