Assistir “A Batalha do Chile” é obrigatório
Por Sérgio Domingues, abril de 2006


O documentário político “A Batalha do Chile” acaba de ser lançada em DVD pela Coleção Videofilmes. Trata-se de uma obra-prima do cineasta chileno Patrício Guzmán que pode, inclusive, ser utilizado como o currículo de um curso de formação política. Temas como reformismo, revolução, socialismo, a dominação burguesa, o poder popular, o papel da mídia e muitos outros surgem enquanto assistimos ao filme. São quase cinco horas de duração, divididas em três partes: "A Insurreição da Burguesia", "O Golpe de Estado" e "O Poder Popular". A caixa também traz um disco de extras com entrevistas e outros documentários muito interessantes.

A primeira cena do documentário mostra o Palácio de La Moneda sendo bombardeado em 11 de setembro de 1973. É o próprio símbolo da dominação burguesa. A classe dominante não hesita em destruir suas próprias obras para manter seus privilégios. Mostra que se a esquerda chilena pretendia trilhar a “via pacífica” para o socialismo, a burguesia não vacilou em responder com extrema violência. Paz para ela significa sossego para continuar explorando. Já para seus inimigos é a paz dos cemitérios.

Mas, um dos vários aspectos destacados pela obra de Guzmán é o papel da mídia em todo o processo de sabotagem e derrubada do governo Allende. A maior parte da grande mídia era controlada pela oposição de direita. A mais perigosa era a emissora de TV, Canal 13. Era uma espécie de Globo do Chile da época. Era tão identificada com os interesses conservadores que Guzmán usava um crachá falso da emissora para entrevistar o público conservador. Com isso, conseguia captar o clima de revolta da classe média e da burguesia em relação às medidas populares do governo Allende.

Um primeiro episódio é o da contagem de votos após as eleições para o parlamento realizadas em março de 1978. A direita esperava fazer maioria para impedir Allende de governar. A cobertura dos grandes jornais, tevês e rádios da contagem de votos assegurava vitória da oposição. Era mentira. O resultado final mostrou a manutenção e ampliação da maioria de Allende no parlamento. O objetivo era criar um clima de que o processo havia sido fraudado. Levar os partidários da direita às ruas, criando um clima para o golpe contra o governo. Não deu certo. Qualquer semelhança em relação à apuração de votos na eleição de Brizola, em 1982, não é coincidência. É padrão, mesmo.

Falando em coincidência, outro caso é o da divulgação pelo Canal 13 de chamadas para derrubar Allende. Desta vez, o padrão é parecido com o utilizado atualmente contra Hugo Chávez, na Venezuela. Também é reveladora a atitude da grande mídia em relação às atividades populares. Guzmán e sua equipe foram os únicos a filmar a organização popular nos bairros e fábricas contra as sabotagens dos patrões. A grande mídia desprezou esse momento histórico do povo chileno. Mas não desprezou por cegueira histórica. O silêncio sobre aqueles três anos de lutas populares sob o governo Allende durou duas décadas. E nem sempre foi forçado pelos militares. Como no Brasil, os patrões da mídia deram sua colaboração.

Mas este é apenas um aspecto do excelente documentário. Muitos outros estão presentes. Trata-se de uma obra obrigatória para comunicadores, formadores e lutadores populares.
 


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