Aos pobres: a lei, a polícia e a morte
A execução de pobre é natural. Esteja o indivíduo no interior do Pará, como é comum; ou em uma favela do Rio de Janeiro. Caso seja na Baixada Fluminense, trata-se apenas de lógica pura. Por Rogério Almeida, abril de 2006


A notícia de execução de sem terra no Pará, ou negros pobres no Rio no Janeiro, não anima editoriais indignados dos jornalões, nos programas de TV?s, entre os principais articulistas, sites à fora. Naturaliza-se a questão. É como se os que se arvoram a formadores de opinião, exclamassem aos quatro ventos: negro e pobre, o destino só podia ser este. 

As mulheres camponesas
Ao se examinar a cobertura sobre os episódios ocorridos no Rio Grande Sul, protagonizados pelas mulheres camponesas, e o ocorrido numa fazenda de família com extensa ficha de indiferença às leis e à vida, no sudeste do Pará, aflora a ausência de tratamento equânime.

Não de hoje, pesa sobre as costas dos camponeses signos pejorativos. Se numa perspectiva as mídias exaltam em belos enquadramentos o agronegócio, num pólo oposto esmera-se num processo contínuo em criminalizar e desqualificar a luta pela terra e a reforma agrária.

Num extremo, o agronegócio desponta sob a ótica da eficiência competitiva, enquanto ao camponês (a), cabe o signo do atraso, empecilho ao processo capitalista, à transgenia, ao monopólio da terra e dos recursos naturais por grupos estrangeiros. Assim advogam os defensores do capitalismo agrário.

O morticínio no Pará é naturalizado
Já o morticínio de lavradores (as), em particular no Pará, estado com ficha a perder de vista, é tratado como conflito e naturalizado. Ignora-se a diferença de forças entre as partes. Fecha-se os olhos para os elevados índices de morto só num segmento, os camponeses.

E todos os ditos formadores de opinião convivem com o espírito tranqüilo ante tal realidade. É violência a ação de cidadãos marginalizados, que afrontam as cercas do latifúndios, mas não o é, assim publiciza as mídias, as chacinas de camponeses.

Quanto ao Judiciário, célere nas na expedição de liminares de reintegração de posse, sem questionar a autenticidade da posse, funciona a passo de cágado, em processos de execução de posseiros, lavradores, sem terra, indígenas etc. 

Conforme CPI da Grilagem de Terras de 2001, somente 2% dos títulos de terra na Amazônia são passíveis de autenticidade. E a recente CPMI da Terra, cujo domínio político é dos ruralistas, taxa a luta pela terra de crime hediondo.

Se os fazendeiros obstruem rodovias, trata-se de contingências. Dois sem terra é formação de quadrilha. O sudeste paraense é a região com a maior concentração de projetos de assentamento do país. A eficiência das políticas do governo do estado para tal segmento, reside em mandar tropas de choque, canil, cavalaria para efetuar reintegração de posse. Até onde se sabe, cultivar não exige polícia.

Trata-se de região marcada pela implantação de grandes projetos. Onde, na dita transição democrática, se verificou, uma vez mais em nossa história marcada pelo patrimonialismo, o enriquecimento de meia dúzia de empresários do centro sul do país e a concentração de terra.

Expediente marcado pela ilegalidade ou burla da lei, como no caso dos aforamentos dos castanhais, onde a posse provisória da terra se transformou em posse definitiva. Foi quando os fazendeiros, escudados na legenda da União Democrática Ruralista (UDR), organização ultra-conservadora, semeou nas terras dos castanhais, na década de 1980, as maiores chacinas contra posseiros. 

Quem vai se indignar pelas injustiças a que está submetida a maior parte da população brasileira, senão ela própria, ou parte dela que se organiza e enfrenta o autoritarismo dos coronéis do sertão, do agronegócio, das mídias?
 

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Rogério Almeida é autor do livro ''Araguaia-Tocantins - fios de uma História camponesa'' (2006). Colabora com a rede Fórum Carajás. www.forumcarajas.org.br

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