Exposição em Lisboa: vida e obra de Frida Kahlo, 1907/1954
Por Lílian Moura, de Lisboa, 28/3/2006

"Eu pinto-me porque estou muitas vezes sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor"

"Pensaram que eu era surrealista, mas nunca fui. Nunca pintei sonhos, só pintei minha própria realidade"



Para entender e gostar das obras de Frida Kahlo, a inesquecível artista mexicana, é preciso conhecer um pouco de sua história de vida.

Frida contraiu poliomielite quando criança, tinha uma perna menor que a outra. Aos 18 anos, cheia de sonhos, como toda adolescente sofreu um grave acidente no ônibus que viajava com seu noivo Alejandro Gómez Arias. Sofreu múltiplas fraturas no corpo, teve a coluna partida em vários pontos e uma barra de ferro atravessou seu corpo, entrando pela bacia e saindo pela vagina. Foi submetida a várias cirurgias, ficando por muito tempo presa em uma cama o que obrigou Frida a passar anos e anos imobilizada e deitada numa cama. Sua mãe, para distrai-la ofereceu-lhe pinséis e tintas. Frida imediatamente começou a pintar a si mesma, as suas dores, suas fantasias, seus sonhos que não eram poucos. Conheceu Diego Rivera com quem viveu um grande amor, casou-se por duas vezes com ele, foi extremamente feliz e infeliz ao mesmo tempo, já que o artista não conseguia controlar sua paixão por tantas outras mulheres, inclusive a irmã de Frida, Cristina Kahlo, cujo episódio foi muito doloroso para ela, que isolou-se por longo tempo.

Viveu também aventuras com parceiros de ambos os sexos,chegando inclusive a ter uma breve relação com Leon Trotsky, que na altura foi hóspede de Frida e Diego, fugindo do regime stalinista. Frida era comunista, gostava de ler poemas russos, tinha uma visão bastante crítica e definida sobre as desigualdades e o regime político que seu país e o mundo atravessava. Era extremamente vaidosa, gostava de roupas coloridas e exuberantes, usava jóias e gostava de enfeitar seus lindos cabelos negros. Viajou aos EUA, e teve em vida uma única exposição individual de suas obras. Mesmo acamada, Frida enfeitou-se e compareceu à exposição deitada em sua cama carregada pelos amigos, porém exalando a paixão e a alegria por aquele momento histórico d esua vida. Sua maior tristeza foi sem dúvida o fato de não poder ter filhos e muitos de seus quadros revelam a tragédia de seus abordos. Pintou desenfreadamente seus dramas, suas angústias e seu grande amor por Diego, de quem só exigia lealdade.

Sua obra é como um bordado, com linhas multicoloridas, que dão mostram o sol e a lua como geradores da vida. No centro de tudo Frida mostra fetos, sangue, pregos e lágrimas, flores e nuvens que representam sua tristeza e frustração pelo filho que tanto quis ter e não conseguiu. Sua obra ao mesmo tempo que dilacera almas, também sublima a dor e expõe sua constante luta pelo que ela idealizava para a felicidade que sempre buscou. Na obra de Frida percebe-se que o que foi perdido, o que está morto e acabado, acabava gerando coisas novas, vida nova. Frida sabia alterar as perspectivas objetivas e subjetivas dos objetos, misturando situações de vida, perdas, que visivelmente serviam como suporte, estaca forte fincada ao chão, que favoreceriam novas descobertas e novas vidas. Frida tecia com seus pincéis imensos fios, que num emaranhado forte e enigmático, tentava preencher os tantos buracos que dilaceravam sua carne.

Em 1946 teve sua coluna operada. Sentia fortes dores na perna direita, em 1950 passa o ano inteiro no Hospital Inglês. Pintando e escrevendo, Frida tentava dar cores e formas à sua dor. Diagnosticada amputação de sua perna e ela entra em depressão. Pintou nesta altura uma de suas últimas obras, Natureza Morta (Viva a Vida). Passou por sete operações na coluna, que infeccionam, graças ao colete que era obrigada a usar. Mesmo tão debilitada, Frida participa em 2 julho de 1954, em cadeira de rodas, da manifestação contra a intervenção norte-americana na Guatemala.

Na madrugada de 13 de julho de 1954, Frida com apenas 47 anos foi encontrada morta em seu leito. A causa oficialmente diagnosticada foi a de “embolia pulmonar”, mas há quem suspeite  de suicídio.

Em seu diário, recentemente publicado pela Editora José Olympio no Brasil, Frida escrevera às vésperas de sua morte: “Espero alegre a minha partida - e espero não retornar nunca mais.”

Como a vida e a obra de Frida Kahlo toca-me imensamente, sensibiliza-me, mexe comigo num misto de tristezas, lembranças e esperanças, estando em Lisboa nao poderia deixar de ir ver a exposição organizada pelo Centro Cultural de Belém.

Ao comprar meu ingresso, pela primeira vez usufruí de um desconto de 50% no valor do ingresso. Apresentei minha carteira de estudante da Universidade de Évora e corri para olhar com muita expectativa o que já anteriormente tinha lido sobre a organização e proposta da exposição. Logo na entrada pode-se assistir um filme com a duração de 51min com depoimentos emocionantes sobre a vida de Frida. Sobrinha, amigas, filha de Diego Rivera, enfim, muitas pessoas que conviveram com Frida contam sua história de uma forma simples, porém muitíssimo empolgante, convidando o expectador a exercitar bem o seu olhar lá dentro da exposição propriamente dita.

Fiquei grudada no filme. Depois entrei e passei bom tempo contemplando as obras, as fotografias, as réplicas dos trages exuberantemente coloridos, bordados, cheios de babados e rendas que Frida adotou imaginando-lhe a caminhar quase que flutando mexendo tanto com a imaginação feminina e masculina da época. Cada parede coloridíssima convidava-me a retornar, olhar com mais atenção, ler cada citação. Deixei-me embriagar por aquelas imagens tão sofridas, porém tão intensamente cheias de vida, que sem dúvida fizeram daquela minha tarde gelada e solitária, num friozinho de início de primavera, nesta Lisboa tão tristonha, uma rara e belíssima tarde que serviu para eu pensar, como dizia Frida, que “mesmo pior, vou aprendendo a estar sozinha e isto já é uma vantagem e um pequeno triunfo”.
 
 


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