Caparaó
vence no 'É Tudo Verdade'
Documentário de Flávio Frederico ganhou na competição nacional; na internacional, o vencedor foi 'O Grande Silêncio'. Matéria de Luiz Carlos Merten no jornal 'O Estado de São Paulo' em 3/4/2006
Na abertura do filme de Eliane Caffé, a câmera acompanha o mochileiro que corre, mas perde a barca que deve levá-lo para... Não importa onde. Ele tem que esperar e, aí, ouve a história dos narradores de Javé. Dorritt Harazin, jornalista e cineasta, integrou o júri da competição na\cional do É Tudo Verdade. No palco do CineSesc, sábado à noite, ela anunciou o grande vencedor da categoria, mas não deu diretamentre o nome. Começou a narrar. Foi um filme de resgate histórico, que recupera um episódio pouco conhecido da resistência à ditadura militar. Uma história sem heróis, ou de heróis anônimos, desses que passam ao lado da gente na rua e nós nem percebemos. Jovens idealistas que viraram velhos dignos e mais jovens, na integridade da sua experiência, do que muitos garotos que estão por aí. Na cabeça do público, começou a desenhar-se o vencedor, Caparaó. Quando o anúncio foi feito e Dorritt chamou Flávio Frederico, criou-se, por um momento, uma incerteza. Onde está o diretor, não está? E aí ele entrou correndo pelo CineSesc, de mochila às costas. Subiu ao palco ofegante e, emocionado, agradeceu. A realidade no palco do CineSesc completou a ficção de Eliane Caffé. Não sabíamos, no final de Narradores de Javé, o que havia acontecido com aquele jovem. Então era isso - ele deveria ser o público, os artistas, nós todos, os que amamos cinema no País? Há sempre uma mistura de realidade e ficção no cinema de Flávio Frederico e Caparaó, sobre a guerrilha instalada na serra entre Minas e Espírito Santo, nos anos 1960, não foge ao que já é uma regra, também em Urbânia. Foi uma escolha acertada do júri da competição nacional, que escolheu Visita Íntima, de Joana Nin, como melhor curta. Na competição internacional, o júri, integrado pela cineasta Maria Augusta Ramos, de Justiça, selecionou o documentário alemão O Grande Silêncio, de Philippe Groening. Numa época de muito ruído, o diretor penetra com sua câmera no monastério de Grande Chartreuse, na França, e nos restitui uma velha, mas sempre nova, lição - o silêncio é de ouro. Às vezes, menos - menos barulho, menos palavras vazias - quer dizer mais. Na abertura da cerimônia, o criador do É Tudo Verdade, Amir Labaki, subiu ao palco do CineSesc para perguntar - para que serve um festival de documentários? Ele próprio deu algumas respostas. Para eliminar fronteiras, para promover encontros. O documentário já foi o palestino e o checheno do cinema, mas hoje, quando Israel constrói um novo muro para segregar palestinos, outro muro rui no Brasil, que aceita, cada vez mais, o documentário. É
tudo verdade no documentário? Werner Herzog, o homenageado internacional
deste ano, diz que não. O documentário é a verdade
de quem tem a câmera. Mas a câmera e o filme na tela são
só um começo. A verdade só aparece quando o espectador
se apossa do que viu na tela e transforma a incompletude do filme numa
experiência pessoal enriquecedora, como sustenta outro homenageado
deste ano, o crítico, professor e historiador Jean-Claude Bernardet.
|